Quincas Borba 26/05/2024
"Seu pior pecado é que você se traiu e se destruiu por nada"
"Crime e Castigo" é um romance escrito por Fiodor Dostoievski, publicando em fascículos durante 1866, mesmo ano no qual foi publicado em volume único. Dividido em seis partes e um epílogo, acompanhamos a trajetória de Raskolnikov, um estudante pobre e adepto de ideias utilitaristas, que acaba cometendo um crime contra sua penhorista. O resto do livro foca nas consequências desse ato, tanto na conturbada mente de Raskolnikov quanto no ambiente e pensamento de outros personagens.
Primeiro, o que eu não gostei: os monoblocos. Percebo e entendo que é uma característica de Dostoievski, e às vezes eles não são de todo ruins; entretanto, são extremamente cansativos e muitos deles são apenas enrolação, como os falatórios de Mermaladov e de Porfiri. Os monoblocos tornam-se ótimos quando o narrador os usa para descrever algum processo, mas quando um personagem fala, raramente consigo perceber algo de útil, Dostoievski estaria apenas enchendo linguiça (o que era necessário para ele ser pago como escritor, mas ainda assim não gosto).
Agora, o bom; o ótimo e o excelente.
A melhor parte do livro é o Raskolnikov. Não personagem; parte. Raskolnikov é muito mais que um personagem, ele é um fenômeno, um retrato de uma sociedade, a representação de ideias. Poderia ser fácil taxa-lo de insano ou simplesmente louco; dizer que o ambiente o influenciou a cometer o assassinato ou que foi somente ele; dizer que ele está certo ou errado; mas essas visões são muito simplistas. Ninguém além do próprio Dostoievski poderá definir Raskolnikov concisamente, e nós como leitores devemos criar nossa própria interpretação, mas sem ser ignorante de outras.
Raskolnikov é extremamente complexo, com diversas faces; em resumo, ele é humano. Existem diversos momentos no qual ele mesmo não entende quem ele é, ou porquê ele cometeu o crime.
A escrita de Dostoievski é sensacional (apesar do enchimento de linguiça necessário). Como ele penetra na mente de seus personagens, explorando seus recantos mais profundos e apresentando a nós, leitores, é algo fenomenal e que eu nunca tinha visto em nenhum outro livro. Stendhal, em seu "O vermelho e o negro", botava seu pé na mente de seus personagens, mas tirava rapidamente para dar continuidade a seus roteiros romantistas estúpidos; Dostoievski mergulha nas motivações e pensamentos de suas criaturas e, consequentemente, no próprio inconsciente da humanidade.
É notável a genialidade ao perceber que o título da obra parece ser algo arbitrário; afinal, o crime vem nas primeiras cem páginas e o castigo apenas nas últimas. Mas o que Dostoievski nos mostra é o processo que existe entre os dois: a culpa de Raskolnikov e seu processo para aceitar-se, o retrato podre de São Petersburgo, a sátira de doutrinas filosóficas ocidentais, etc etc. Dostoievski nos leva além da postura naturalista determinista e nos mostra que um homem é sim capaz de se redimir depois de cometer um ato horrível.
A maior conquista de Dostoievski é nos mostrar o processo de pensamento de Raskolnikov e o comparar com outros personagens: a prostituta de bom coração Sônia; o efebófilo e nojento aristocrata Svidrigáilov; o amado e bobão Razumikhin (o melhor personagem do livro) e sua irmã, igual a ele em tudo, menos na moral, Dunia. Todos servem de contraste para Raskolnikov e mostram a futilidade de seu crime. Raskolnikov não cometeu o assassinato porque era pobre, ou porque queria eliminar uma injustiça da sociedade. Ele fez por ele mesmo, por seu ego e orgulho (me lembra um pouco uma série norte-americana de um professor de química traficante...), e todo esse processo entre o crime e o castigo fazem todo o livro valer a pena.
"Apenas viver, viver e viver! Viver, de qualquer maneira que seja!... Que verdade! Senhor, que verdade! O homem é vil! E vil é quem o chama de vil por isso."