Fernanda631 10/11/2022
Crime e Castigo
A narrativa de Fiódor Dostoiévski é cheia de detalhes nas descrições dos cenários, situações e personagens, essa descrição dá um tom realista aos romances do autor. É quase como se estivéssemos vendo tudo aquilo que é narrado.
O primeiro elemento que mais chama a atenção quando dá-se início a essa leitura é que Raskolnikov não é um protagonista simples. Raskolnikov não é um personagem fácil, não é feito para ser um protagonista que seja admirável, mas ele também não foi feito para ser um vilão.
O tema central do livro está justamente descrito no título: na história temos um crime, e teremos também um castigo.
Nas primeiras cem páginas do livro, somos apresentados a Rodion Românovitch Raskólnikov, um ex-estudante que precisou desistir dos estudos devido às dificuldades financeiras que enfrentava. Ele acreditava honestamente, na superioridade intelectual de determinadas figuras - incluindo ele próprio. Ele acredita que está destinado a grandes ações, mas que a miséria o impede de atingir todo o seu potencial. Com problemas econômicos, Raskolnikov recorre à ajuda de uma senhora que empresta a juros altíssimos e maltrata a sua irmã mais nova, de trinta e poucos anos.
É neste período, inclusive, que entendemos que um crime será cometido por ele, uma vez que ele busca uma grandeza que, em sua cabeça, merece. Esta primeira etapa da obra é bem construída, mas um pouco parada
A obra de Dostoiévski desde cedo nos coloca uma questão moral: o assassinato de uma pessoa reles seria moralmente errado se o objetivo fosse nobre? Raskolnikov acredita que todas as pessoas superiores acabam cometendo assassinatos para atingir os seus objetivos, que, no final, são grandes avanços para a humanidade.
Convencido de que ele é um dessas pessoas, Raskolnikov julga que matar a velha para conseguir os meios para atingir o seu potencial não é um ato moralmente condenável, mesmo que seja contra a lei.
Raskolnikov passa, então, a planejar o assassinato, sendo uma das suas maiores preocupações o efeito psicológico que este ato pode causar nele. O ex-estudante acredita que durante e depois do assassinato ele por ser acometido por uma espécie de remorso, como se fosse uma doença. Raskólnikov decide matar uma velha agiota gananciosa com o objetivo de roubar seu dinheiro. A partir do momento em que não apenas um, mas dois assassinatos acontecem, o leitor passa a tentar entender a mente do criminoso.
Por uma fatalidade do destino, a irmã caçula da velha acabou entrando na cena do crime e, por ser testemunha do assassinato, foi também morta a machadadas. Ao contrário da senhora agiota, que foi um assassinato premeditado, o crime da irmã aconteceu a quente, sem qualquer planejamento.
Ao mesmo tempo que ele parece ter escapado imune ao ato, a paranóia e obsessão constantes parecem entregá-lo para o restante da sociedade como o verdadeiro responsável pelos crimes. Para mim, é neste momento em que passamos do Crime ao Castigo.
Ao longo das extensas páginas do romance vemos o personagem Raskolnikov tendo que lidar com a culpa dos assassinatos cometidos e precisando justificar para si mesmo as escolhas tomadas. Raskolnikov se torna, então, responsável por dois homicídios, também fica evidente a urgência do personagem de esconder o seu duplo crime.
Apesar de o verdadeiro castigo chegar apenas na parte final do livro, eu considero que o tempo que Raskólnikov passou sendo assombrado por isso em sua mente torna-se, por si só, um castigo pessoal e interno. Sua mente se torna, de certa forma, sua prisão.
É possível haver crime sem punição? Uma das principais questões do romance é essa, mesmo que o criminoso acredite que o delito que ele cometeu é moralmente correto e mesmo que ele seja hábil suficiente para esconder todas as provas e não ser descoberto pelo crime que cometeu, ele ainda assim será castigado?
Crime e Castigo não é um livro sobre descobrir o assassino, afinal já sabemos quem ele é, na realidade, temos que entender o porquê de ele ser quem é, e esse sim é o cerne do que mantém a história em seu fluxo. Ao investir mais no “castigo” do que no crime, Dostoiévski abriu espaço para discussões sobre a ética humana e até que ponto somos capazes de esconder nossos desejos mais obscuros e imorais.
O romance então adquire um lado filosófico, de ensaio sobre a moral e sobre a relação do indivíduo com a sociedade que o cerca. A sociedade em questão no romance é uma Rússia extremamente moral e católica, czarista e aristocrática.
Outro aspecto é que Raskolnikov insiste ao longo de todo o romance que não se sente culpado pelo assassinato e que busca fugir do castigo, mesmo quando já se encontra na prisão. Porém, as suas ações e a sua perturbação, que só é acalmada depois da confissão, nos mostram o contrário.
Em última instância, nos parece que Raskolnikov busca o castigo desde o primeiro segundo após o crime, pois ele não se aproveita dos bens roubados e cai num estado de delírio.
Alimentando discussões legislativas, religiosas, sociais e morais desde que foi lançado, Crime e Castigo é um daqueles clássicos que quando lemos entendemos o porquê de esse livro ter a importância que tem. Muitos dos elementos que Dostoievski começou a compor em sua narrativa são utilizados até hoje, além de haver uma imersão diferente dentro da história da Rússia.
Se você gosta de tramas com jogos psicológicos e mentais, discussões morais, sociais e políticas, Crime e Castigo é excelente e rende uma boa dose de reflexões até para as mais firmes das nossas convicções éticas.