spoiler visualizarEster 15/06/2021
Pequeno livro, grande obra
O livro versa sobre a personalidade de vários personagens e os motivos pelos quais eles se afastam (ou se aproximam) no decorrer da história... Machado, genialmente, cria a personagem Guiomar, uma mulher forte e cobiçada por todos homens que por ela passam, não apenas porque chama a atenção a sua beleza feminina, mas também o seu intelecto e firmeza ao agir. Mesmo que não goste de outros personagens, ela age com igual cordialidade ao lidar com toda e qualquer pessoa que se aproxima. À pág. 110, "A dignidade natural que havia em toda a sua pessoa servia-lhe, além disso, como de uma torre de marfim, onde ela se acalentava e mantinha em respeito o pretendente [...]".
Não é à toa que Estevão se (re)apaixona ao vê-la perto de uma cerca, lendo um livro. Já citando este segundo personagem, Estevão, trata-se do primeiro namorado de Guiomar: um homem que não superou seu primeiro grande amor e passa a vida toda sem criar uma ambição própria. Pode-se deduzir, inclusive, que por isso Guiomar o deixou. Ele sofre horrores por Guiomar anos seguidos e volta a sofrer quando a vê. Ressalta-se, por outro lado, que após o término do relacionamento, ela deixou de nutrir qualquer afeto por ele. Quando ela responde às perguntas desesperadas dele, é por pura comiseração, o que torna ainda mais perceptível a distância sentimental entre ambos. O pior é que, qualquer palavra gentil da personagem, que dificilmente demonstra sentimentos - tão raramente quanto os tem no mesmo sentido pelos seus pretendentes - é ouvida com otimismo por todos eles, que querem fazer nascer a possibilidade de um casamento, a partir da atenção da moça.
Outro personagem, Jorge, é o segundo pretendente, que com a ajuda da Mrs. Oswald, amiga da baronesa (tia biológica e mãe adotiva de Guiomar), tenta fazer Guiomar aceitar casar-se com ele, por pressão. Contudo, Jorge é apenas outro homem que não toca em nada o coração de Guiomar. Aos olhos dela, ele não conquistara nada de sua fortuna com suas próprias mãos, e embora pudesse oferecer-lhe uma vida de conforto com o seu patrimônio, jamais confortaria o coração ambicioso dela.
Durante toda a história, repara-se que Guiomar não se contenta com quem lhe parece sem destino, sem ambição, sem força própria. Aliás, até porque ela mesma era uma mulher forte. Não conseguia se enxergar ao lado de alguém muito diferente. Por isso, ao contrário dos outros dois, Luís Alves chama a atenção de Guiomar. Mesmo que, inicialmente, pelas ocasiões em que se encontram, era o homem mais distante dentre os três pretendentes. Para se ter ideia de como é a personalidade de Luís Alves, citam-se alguns trechos do livro:
"Tudo é aliado do homem que sabe querer" (frase que ele disse, p. 116);
"O proceder de Luís Alves, sóbrio, direto, resoluto, sem desfalecimentos, nem demasias ociosas, fazia perceber à moça que ele nascera para vencer, e que a sua ambição tinha verdadeiramente asas, ao mesmo tempo que as tinha ou parecia tê-las o coração" (p. 124);
"Não era homem que perdesse tempo em coisas inúteis, e nada mais inútil naquela ocasião do que tentar explicar o que nenhuma explicação podia ter para ele" (p. 136).
Sendo assim, essa obra transcende um retrato de sentimentos, é uma tradução de personalidades e do que uma pessoa busca na outra, com base no que ela mesma é. O aspecto psicológico que a história transmite capta mais do que as emoções de quem a lê, oferece uma lição de vida: se você quiser ser alguém amado de verdade pelo seu parceiro (e ter um bom parceiro), seja forte e ambicioso. Não pise nos outros, seja gentil, como Guiomar era, mesmo com os pretendentes por quem ela não tinha interesse. Seja ambicioso como Luís Alves, que sabia querer as coisas, decidir e trabalhar para fazê-las acontecer. Não seja Estevão, que não tem sonhos, não tem vontades, não supera fins. Seja como Luís Alves.