Fê 02/11/2012Confesso que apesar do amor infinito que eu tenho pela Goddess Rowling, fiquei com o pé meio atrás para ler este livro. Mas no fim, quando eu vi ele ali, lindo, só me chamando na livraria, não resisti. E ainda bem, porque ele só me lembrou o quanto eu a amo.
Ela já tinha avisado que era um livro adulto, mas não custa lembrar que realmente não é a mesma coisa que Harry Potter. Digo isso porque acho que muita gente vai se deixar levar pelo fato de que ela criou esse mundo maravilhoso de Hogwarts, que amamos tanto, e pode se assustar ao ler este. E já por aí gente reclamando, achando escandaloso o fato de o livro conter palavrões (e vou dizer que não são poucos). Eu particularmente achei o máximo. E posso dizer que ela soube se desvencilhar brilhantemente de Harry Potter. Volto a falar nisso mais tarde.
A história começa com a morte súbita de Barry Fairbrother, membro popular do Conselho da paróquia de Pagford, e personagem importante na vida da pequena cidade. Barry tocou a vida de todos no vilarejo, de um jeito ou de outro, de tal forma que sua morte vai causar um reação em cadeia que aos poucos revela quem realmente são os habitantes do lugar. E um intrincado jogo de poder se instala para ver quem fica com o lugar que ele deixou no conselho.
Pagford é uma cidadezinha do interior da Inglaterra, predominantemente de classe média. Mas há um distrito, Fields que é a peça central na disputa de poder. Fields foi um projeto de desenvolvimento que começou nos anos 50, e ali moram as famílias mais carentes, drogados e prostitutas. Não é um lugar muito agradável, e ainda abriga uma clínica de reabilitação, que se situa num prédio alugado do próprio Conselho da paróquia. É um local afastado do centro de Pagford, na divisa com a cidade vizinha de Yarvil. Como uma mancha para os cidadãos bem estabelecidos de Pagford, Fields é o centro de uma disputa: de um lado, há os que acham que o lugar deve permanecer sob jurisdição de Pagford, mantendo a clínica aberta; de outro, os que defendem que ele deve voltar à tutela de Yarvil, e que a clínica deve ser fechada.
Barry, sendo original de Fields, e que teve a sorte de ter um bom acompanhamento, conseguiu vencer na vida e defende o lugar com unhas e dentes. Para sustentar seus argumentos, ele tenta usar uma das habitantes do lugar, Krystal, filha de uma viciada e garota problemática que ninguém aceita na escola onde os filhinhos dos esnobes de Pagford frequentam. Mas Barry, que além de ser conselheiro, é também treinador do time de remo feminino da escola, que vem tendo bons resultados. ele viu em Krystal um potencial que ninguém imaginava, e aos poucos vai mudando a menina. Mas sua morte repentina, aos 40 anos vai desencadear uma cadeia de eventos que podem por abaixo tudo pelo que ele sempre lutou.
Do outro lado, estão principalmente os Mollisons, família proeminente da cidadezinha. Encabeçada por Howard, dono da delicatessen local, e mais tarde do único café-restaurante do lugarejo, ele é um dos mais ferrenhos opositores de Barry. E, claro, com sua morte, a qual ele não lamenta muito, apesar de manter as aparências, logo vê a oportunidade perfeita de eleger seu filho Miles para a vaga. Howard é obeso, mas não está nem aí para sua forma física, o que mais tarde vai se provar um erro. É todo sorrisos e bajulação, mas sempre das pessoas que lhe interessam. É o verdadeiro político, e acredita que ser membro do Conselho é o equivalente de ser membro do parlamento inglês.
Miles, seu filho, é casado com Samantha, mas o casamento é infeliz. Enquanto Miles quer mais é seguir os passos do pai, aos poucos se tornando como ele, Samantha fantasia sobre um dos membros da boy band favorita da filha, e afoga as mágoas na bebida. Trata com sarcasmo tudo que tenha a ver com Pagford e o Conselho. Só o marido não faz ideia do que ela sente, está totalmente alheio ao seu sofrimento.
Opondo-se aos Mollison está Parminder Jawanda, médica geral e casada com o cirurgião-gato do loca. Parminder era muito amiga (ou seria algo mais?) de Barry e, como ele, defende seus ideias. É uma mulher determinada e exigente, sempre disposta a ajudar quem mais precisa. Mas ironicamente, quando se trata de sua filha Sukhvinder, ela não enxerga. Volto a falar de Sukhvinder daqui a pouco.
Também ambicionando a vaga de Barry está Colin Wall, vice-diretor da escola local, pai de Fats, e que tem um segredo que mantém a todo custo. É mais um que vive de aparências e tem uma relação complicada com o filho, e sua mulher, Tessa, espécie de psicóloga da escola, que trabalha com Krystal, na escola. Tessa sabe muito bem do problema do marido, e tenta de alguma forma conciliar pai e filho. Colin, entre outras coisas, sofre de TOC e se vê na obrigação de preencher o lugar de Barry pois se considera o único que está à altura.
Dos adultos, vale também destacar Simon Price, pai de Andrew, que é um homem que gosta de isolamento e também sempre preocupado em manter as aparências. E ele tem o que esconder. Abusa tanto verbal como fisicamente dos filhos, usa a copiadora da empresa para fins pessoais, para lucrar mais (não é só uma cópia aqui e outra ali, é ilegal) e não tem problema nenhum em comprar produtos roubados. Desde que ninguém saiba o que ele faz. Sua esposa é submissa e concorda com tudo que o marido faz. E ainda Gavin, o melhor amigo de Barry, mas que é um covarde que não consegue nem terminar da namorada, Kay, assistente social que mudou de Londres por causa dele, e trabalha com a família de Krystal, e também defende a clínica e Fields. Ela é mãe de Gaia, mas é tão necessidade de um homem que não enxerga que Gavin não vê a hora de se ver longe dela.
Os adolescentes da trama são tão densos como os adultos, e são, para mim, o ponto forte do livro. Andrew, apaixonado por Gaia, mas que não tem coragem de falar com a garota, é quieto e melhor amigo de Fats. Andrew é tímido, mas esperto e apesar de ser melhor amigo de Fats, não tem nada do temperamento dele. Fats é o típico adolescente indiferente a tudo. Se rebela contra o pai fumando e namorando Krystal. Faz questão de ser “autêntico” e abusa verbalmente de Sukhvinder, menina tímida e que secretamente se corta com uma gilete para compensar o bullying e a carência afetiva da mãe. gaia, amiga de Sukhvinder, está em Pagford contra a vontade e é a única que percebe que o relacionamento da mãe com Gavin não vai a lugar nenhum. Todos eles tem em comum a indiferença dos pais, e vem de lares instáveis, apesar das aparências.
Aparências estas, aliás, que vem abaixo depois da morte de Barry, através de postagens reveladoras de alguém que assina como “O fantasma de Barry Fairbrother”. aos poucos, as máscaras caem e todos os podres da sociedade de Pagford fica exposta. A repercussão dessas postagens vai afetar a vida da pacata cidade como um terremoto, e nada mais será o mesmo.
A narrativa tem vários pontos de vista, de vários personagens, e, diferente de GRRM, o narrador em terceira pessoa às vezes passa de um para outro em questão de um parágrafo. Por isso, demora um pouco para engrenar a leitura, mas depois que a gente pega o ritmo, vai fácil. O livro é marcado pela ironia e Rowling faz com a sociedade de Pagford mais ou menos o que Machado de Assis faz com a sociedade carioca do final do século XIX, arrancando as máscaras de cada uma das personagens de modo implacável. Rowling cresceu com autora, seu texto está ainda melhor, mas ela continua tratando com maestria e sutileza temas universais, e mais um vez, ela trata do tema de depressão mito bem, sem um a vez mencionar isso. Vale a leitura.
Trilha sonora
Uma música que tem importância enorme no livro é Umbrella, da Rihanna, featuring Jay-Z. Affirmation, do savage Garden (AMO!) também cai bem. Perfect memory, do Remy Zero é boa para o final (se não quiser spoiler, não veja o vídeo). Ainda Here without you, do 3 Doors Down, Broken, do meu amado Lifehouse, Aftermath, do Adam Lambert, Firework, da Katy Perry, Fuckin' perfect, da Pink e Ghosts of you, da Chantal Kreviazuk.
Se você gostou de The casual vacancy, pode gostar também de:
coleção Harry Potter – J. K. Rowling;
O jogo do Anjo – Carlos Ruiz Zafón;
A Sombra do vento – Carlos Ruiz Zafón;
O prisioneiro do céu – Carlos Ruiz Zafón;
A menina que não sabia ler – John Harding.
PS: não coloquei o nome do livro em português porque fiquei na dúvida se é “Morte súbita”, como está na sinopse (que eu peguei no Skoob) ou se é “Uma morte súbita”.
Originalmente postado em: natrilhadoslivros.blogspot.com