quaresmaktt 02/07/2024
O HQ mais importante?
Maus de Art Spiegelman é um HQ com bastante camadas, é uma obra que retrata o Holocausto, sendo jornalística, que inclusive ganhou o Prêmio Pulitzer de 1992. Mas também é biográfica, contando a história de Vladek e autobiográfica, com Art Spiegelman contando sua história, sua relação com o pai e seus questionamentos.
Na primeira página tem uma citação de Hitler: ?Sem dúvidas os judeus são uma raça, mas não são humanos.?
Art metaforicamente desenha os judeus como ratos, poloneses não judeus como porcos, alemães como gatos e americanos como cachorros. Os nazistas desumanizavam os judeus a todo momento, sempre os tratando como vermes, algo inferior.
É um livro duro e comovente, Art consegue demonstrar muito bem os sentimentos de horror, temor e luta para sobrevivência a cada momento através dos quadrinhos. Vladek sobreviveu de forma inteligente e estratégica, estava sempre se colocando em risco em busca de algo melhor, como esconderijos, comida, vestimenta e pequenos privilégios.
O relacionamento de Vladek com sua esposa Anja é lindo e comovente. Ele estava a todo momento arriscando sua vida para protegê-la e alimentá-la bem, e quando eles se separaram no campo de concentração, Vladek teve que passar fome para economizar alimentos por um bom tempo, para subornar guardas, mas estar perto de sua esposa não tinha preço, depois eles se separam novamente e só se reencontram após a guerra e esse reencontro é emocionante.
Apesar da HQ falar sobre o Holocausto, algo horrivel e triste, Spiegelman consegue trazer uma leveza na história, alternando o momento atual do cotidiano com o pai, que às vezes chega a ser cômico pela sua chatice e avareza, com os flashbacks do pai contando sobre suas experiências em Auschwitz.
Falando um pouco sobre a chatice de Vladek, o Art chega a dizer que seu pai seria o retrato racista do judeu avarento. Percebemos que Vladek é completamente traumatizado pelo o que passou, ele se torna muito avarento, economizando tudo e desperdiçando nada, como se fosse fazer falta depois, como se ainda estivesse vivendo na guerra.
Art sequer tem um bom relacionamento com o pai, eles são afastados, mas conforme Vladek conta as suas experiências, esse afastamento vai diminuindo e os aproximando, pois Art vai conseguindo entender melhor por que ele é assim, apesar de ter alguns conhecidos dele também serem sobreviventes, cada pessoa reage de uma forma e essa foi a forma que o pai reagiu.
Art tem uns questionamentos fortes e conversa com seu terapeuta, também sobrevivente, sobre sua importância e seu valor aos olhos do pai em relação ao filho ?perfeito? que faleceu no Holocausto, sobre seu questionamento que se pudesse escolher entre a mãe e o pai estar vivo, ele escolheria a mãe, e também sobre sua própria insignificância, pois para ele o pai era um herói por ter sobrevivido a guerra e ele não era ?ninguém? e não teve dificuldades. Seu terapeuta diz que ter sobrevivido não faz ninguém um herói, que era algo completamente aleatório e talvez pura sorte.
Maus é uma obra atemporal, pois mudou totalmente a forma dos HQs serem vistos. Pessoas não acostumadas à leitura de quadrinhos, muito menos considerando-os uma leitura séria, encontramos aqui um dos piores horrores do mundo com um estilo completamente diferente, associado ao prazer da infância, sendo poderoso e comovente.
Enquanto o gênero HQ de super-heróis atraía um grande público, indo além da aventura superficial, Maus, de Spiegelman, fez ainda mais, provou que os quadrinhos poderiam contar histórias importantes e acessíveis, não ligadas a super-heróis. O papel de Maus na expansão de público dos quadrinhos dificilmente será superado. Ele abriu caminhos para que as histórias em quadrinhos entrassem em discussões literárias sérias e estudos acadêmicos.
Para mim, MAUS deveria ser uma leitura obrigatória, para aprendermos a ter empatia e compaixão pelo próximo, pois não deveria existir qualquer tipo de preconceito. Infelizmente ainda temos alguns resquícios de nazismo, como aconteceu algumas marchas neonazistas por ai, nos EUA, Paris, Alemanha, etc? Estamos na era do cancelamento e discursos de ódios, seja para etnias, religiões, ideologias e gêneros diferentes, onde qualquer diferença é motivo para discurso de ódio, então não podemos deixar isso ganhar força, pois para sair do discurso e ir para pratica é uma linha tênue.
?Primeiro levaram os negros, mas não me importei com isso, eu não era negro.
?Em seguida levaram alguns operários, mas não me importei com isso, eu também não era operário.
?Depois prenderam os miseráveis, mas não me importei com isso, porque eu não sou miserável.
Depois agarraram uns desempregados, mas como tenho meu emprego, também não me importei.
Agora estão me levando, Mas já é tarde, como não me importei com ninguém, ninguém se importa comigo.?
Beltort Brecht