João Pedro 23/08/2024
Terminei ?Maus? há alguns dias e esperei o efeito das últimas páginas passar. Enxuguei as lágrimas e esperei.
Spiegelman provavelmente criou o trabalho artístico mais significativo sobre o Holocausto, um tema sempre tão caro a todos do espectro político. De um lado, há aqueles que exageram no tom e retratam o sofrimento judeu de forma tão dramática e excessivamente sentimental que o resultado é o oposto do esperado: uma tragédia que não comove, no máximo incomoda ? assim como muitos do movimento negro fazem com o tema da escravidão. Do outro lado, estão os que relativizam a maior tragédia da história humana, comparando-a a qualquer outro conflito recente. Esses veem Auschwitz ? onde 1 milhão de judeus foram exterminados ? em qualquer canto do planeta onde há um grupo étnico sofrendo, especialmente nos lugares que fazem parte da sua agenda.
?Maus? é honesto e encontra um equilíbrio delicado entre esses extremos, oferecendo uma representação do Holocausto que é real e profundamente respeitosa. Spiegelman não tenta enfeitar ou suavizar a realidade. Sem perder de vista o horror da experiência do avanço nazista, ele retrata seu pai, Vladek, o sobrevivente, como uma figura complicada e muitas vezes difícil de lidar. Vladek não é apenas uma vítima, mas uma pessoa real, com falhas e virtudes, cuja sobrevivência foi marcada tanto por sua coragem quanto pela sorte. E, como qualquer outra pessoa, ele é um homem de seu tempo e transmite partes de seus traumas às gerações futuras.
À primeira vista, a representação de judeus como ratos pode parecer servir a uma função didática, facilitando a compreensão da relação hierárquica entre eles e os alemães. Mas não é assim. Os ratos são justamente reflexos de um olhar de quem, tal como os nazistas, enxerga o mundo de forma simplória, em preto e branco, em gato e rato.