iagofelipeh 08/05/2020
Livro incrível!
Grata surpresa. Sabe quando você compra um livro aleatoriamente, não tem praticamente nenhuma pretensão pela obra e sequer conhece o autor? Sei que muitos fazem isso e eu não sou exceção. Nesses casos, é muito raro quando vai além de uma leitura pra passar o tempo, quando e se o pegamos para lê-lo, de fato.
Em "Segundos Foras", de Martín Kohan, encontrei uma narrativa extremamente bem elaborada, tomando como mote dois marcos culturais argentinos no ano de 1923: a polêmica e emblemática luta entre o lendário pugilista latino Firpo com o campeão mundial de boxe Dempsey e a primeira apresentação da sinfonia No.1 do grande músico e regente Gustav Mahler em Buenos Aires, regida por outro dos grandes, Richard Strauss.
Dois jornalistas vão, à princípio, disputar qual das matérias deve estampar os 50 anos do jornal local onde trabalham. A partir de então, e com a descoberta de um assassinato misterioso ocorrido em paralelo aos fatos discutidos, temos o desenvolvimento da história sob diversos pontos de vistas, com lapsos temporais, diálogos que colocam em cheque a dicotomia entre cultura erudita vs cultura popular e tudo que pode estar em volta de quem defende cada um dos lados de modo ferrenho. É, decerto, um romance que, sobretudo, homenageia a cultura geral do país, apresenta as belezas e tudo que envolve diversos detalhes que construíram toda uma história.
Como dito, as dissonâncias morais humanas estão presentes em vários aspectos, pontuando discussões válidas nos dias atuais. Além, não poderia deixar de citar, dos simbolismos linguísticos, das insinuações e ironias colocadas pelo grande professor e crítico literário Kohan.
O número 17 é parte fundamental da obra, 17 segundos mudam o destino da luta, 17 anos separam a investigação do diálogo principal, 17 são os capítulos, 17 são os dias para a publicação da revista, 17 são as horas da empreitada de uma personagem para solucionar o crime (ou suicídio?). É incrivelmente amarrado nesse aspecto, de um formalismo belo, embora elementar.
Outrossim é curioso relatar a tendência homossexual de um dos jornalistas, apresentada de modo sutil o tempo inteiro com insinuações, convites aparentemente bobos e, sobretudo, na determinação em querer mostrar conhecimentos que sequer pertencem a sua alçada e não lhe interessam. Além desse mesmo personagem, de nome Ledesma, ter apresentado uma relação lamentável com sua ex esposa e ser um pai ausente, fazendo frente a toda sua erudição e corroborando seus reais interesses.
Martín Kohan é incrível e quero ler tudo que ele escreveu.