Haralan 11/11/2022
Um tratado panteísta
O propósito deste livro é estabelecer um conceito de sustentabilidade que não seja limitado ao chamado "greenwashing" e que seja integradora de todas as dimensões envolvidas com o conceito. O resultado é o seguinte:
"Sustentabilidade é toda ação destinada a manter as condições energéticas, informacionais, físico-químicas que sustentam todos os seres, especialmente a Terra viva, a continuidade da vida, a sociedade e a vida humana, visando sua continuidade e ainda atender as necessidades da geração presente e das futuras, de tal forma que os bens e serviços naturais sejam mantidos e enriquecidos em sua capacidade de regeneração, reprodução e coevolução."
Na minha perspectiva, o conceito é bom e cumpre o propósito original. Ocorre, entretanto, que não se trata de um livro puramente técnico cuja preocupação é conceituar um tema emergente. A obra é um pequeno tratado panteísta e, além do conceito de sustentabilidade, apresenta os fundamentos de uma cosmovisão baseada no entendimento de que o planeta Terra é um organismo vivo e consciente, cuja sobrevivência depende da ação humana.
O autor, Leonardo Boff, é teólogo, filósofo e foi sacerdote católico, tendo se desligado das funções eclesiásticas após polêmicas derivadas de sua produção literária fortemente influenciada pela Teologia da Libertação. Mencionar este fato biográfico é importante porque na obra, Boff apresenta sua proposta de "sustentabilidade cosmovisionada" em uma estrutura de pensamento religiosa. É possível identificar os elementos da "vida sustentável" em uma espécie de cosmogonia panteísta que emula a estruturada fundamental da cosmogonia cristã:
Deus -> Mãe Terra
Pecado - > Poluição/degradação ecológica
Afastamento de Deus/Morte eterna -> Aniquilação do planeta
Fé em Cristo e arrependimento -> Aliança global para cuidar da Terra
Eternidade com Deus -> Um novo futuro na/para a Terra
Jesus salvador -> Homem (sustentável) salvador
A partir dessa estrutura de pensamento, o autor vai propor, ao longo da obra, uma "mudança de mente e coração" a fim de que a humanidade desenvolva um estilo de vida que garanta a manutenção das condições de vida no Planeta.
A obra também fundamenta sua proposta na critica socialista ao estilo de vida moderno, extremamente consumista e efêmero. Nesse ponto, o autor é assertivo em vários argumentos. Minha crítica pessoal, entretanto, é a uma incoerência fundamental da obra: Boff sustenta a "salvação do planeta" em uma mudança no homem. Segundo ele "a humanidade deve escolher seu futuro. A escolha é nossa e deve ser: ou formar uma aliança global para cuidar da Terra e cuidar uns dos outros, ou arriscar a nossa destruição e a destruição da diversidade da vida". Nesse ponto, o autor coloca sua proposta ao lado de todos os demais projetos antropocêntricos que já foram apresentados ao longo da história. Nenhum deles ofereceu a "salvação" esperada. Como sustentar a salvação do planeta em um pretensa mudança de mentalidade no sujeito cujo modo de funcionar causou a destruição ecológica diagnosticada e criticada pela obra?
A teologia cristã, ao menos, apresenta uma cosmogonia que não coloca sobre o homem comum a responsabilidade de salvar a si mesmo e ao planeta, reconhecendo num projeto assim algo por demais orgulhoso e, obviamente, impossível.
A obra, de modo geral, vale a pena ser lida para entendimento do que uma visão panteísta de mundo apresenta enquanto escatologia realizada, mas não é tão inovadora ou razoável na solução. Como diria Salomão, "nada novo debaixo do sol."