Mr. T. 15/05/2023
Eu acho coisas toscas frequentemente honestas
Duna, Duna, Duna. Quando eu finalmente sentei pra ler a obra que “influenciou toda a ficção científica que veio depois dela” – frase que li em uma review antes de ler o livro – confesso que tinha expectativas altíssimas, mas estava mais envolvido no mito da história do que na história do mito. E então? Sólidas 542 páginas depois, Duna merece a atenção que recebe?
Sim! Oh, Deus, sim! E também não.
A questão é que, pelo menos no meu caso, o tamanho do impacto cultural e artístico que a obra teve ocupam o lugar da história, como eu falei. A história é enganosamente simples: o filho de um duque de uma das principais Casas que compõem o império interplanetário que a humanidade possui se encontra num novo planeta com cultura completamente diferente da sua, e, presos num perigoso jogo de poder e conflitos geopolíticos, ele precisa descobrir as verdades sobre si, sobre o planeta e seu destino, enquanto tenta se recuperar de uma tragédia que pode indiretamente afetar o futuro da humanidade.
Como eu disse, extremamente simples. Mas a descrição “ficção científica” é, na verdade, uma poderosa armadilha pega-trouxa que enlaça o pé dos desavisados que vem a Duna procurar distração nas interessantes invenções e conceitos tecnológicos que obras desse tipo costumam apresentar: eles existem, mas são só cenários e disfarces no palco de uma peça cujos verdadeiros atores são a excelência da mente [e racionalização humanas] e as inúmeras relações de poder entre os humanos.
As dezenas de ideias e conceitos apresentados e desenvolvidos na história versam sobre guerra, religião, tecnologia, evolução, hierarquia e organização social, e livre-arbítrio. Levantam questões interessantes sobre sofrimento, necessidade e escassez, além de uma tese contínuamaior sobre como o ambiente influencia os humanos (sardaukar) e como é mudada por eles (fremen), e se encaixam bem na história, especialmente se você não pensar muito sobre. Em tempos como os atuais, saídos do século passado e imersos num novo tipo de cientificismo, estamos possivelmente a caminho de outro fracasso. Os que se propuseram a usar a tecnologia para direcionar a organização social no século passado fracassaram miseravelmente, e agora, os que buscam substituir a espiritualidade na natureza humana, com tecnologia, ao que tudo indica, fracassarão miseravelmente.
Estamos acostumados a discutir obras que discutem esses temas, em maior ou menor grau. Mas a_ Duna o fez numa época em que a ficção científica mais popular não se prestava tanto a esse tipo de consideração – excetuando autores como Heinlein, Clarke e Asimov, por exemplo – e b) Duna o fez bem e faz melhor que muitas histórias até hoje. Além disso, é um livro com uma premissa interessante e razoavelmente bem executada, e um mundo bem realizado. Por essas e outras que eu perdoo os erros e afins desse livro, que não são poucos. Entre os personagens em sua maioria de personalidade e motivação superficiais, diálogos tortos e não exatamente cristalinos, os diversos pontos mal resolvidos da história, os ocasionais comentários esqUIsiToS do autor e o ritmo dolorosamente lento da história, existe muito a ser perdoado. Mas também existe muito a se amar aqui. Leia, ame e perdoe.
Em resumo, Duna é um espetáculo único em que algo tosco acontece a cada cinco minutos. É majestoso, exceto quando não é – e bonito de se ver se se tiver paciência até o final da história, e, quem sabe, aprender uma coisa ou outra. É, no pior das hipóteses, uma viagem interessante de se fazer, e que, se me é permitido ainda mais parcialidade, uma que definitivamente vale a pena ser feita.