JPHoppe 19/06/2020
A poliomielite é uma das doenças mais atrozes que a humanidade já viu. Não é particularmente letal, e muitos dos que a pegam passam incólumes sem nunca desconfiar que contraíram a doença. Todavia, uma minoria irá manifestar um quadro de paralisia, incurável e irremediável, que durará para o resto da vida. A face mais cruel é vista quando atinge crianças, a maioria antes dos dez anos de idade, que as confinará para sempre em um corpo que ainda sente, mas não reage. Não a toa é conhecida também como "paralisia infantil".
O Brasil, um dos países com maior destaque quando se fala em campanhas de vacinação, viu uma epidemia de pólio no seu passado recente. A vacina estava disponível, especialmente para a população mais humilde, deslocada dos grandes centros e vivendo em condições mais vulneráveis de saúde, condições muito propícias para a disseminação da pólio. Por motivos grotescos, a vacina era desaconselhada pelos médicos brasileiros. Crianças com quadros febris, por exemplo, tinham a aplicação negada. Eliana Zagui, moradora do interior de São Paulo, então com 2 anos de idade, teve a vacina negada por esse motivo. Teve febre, dores, e uma estranha imobilidade das pernas. Eliana nunca mais voltaria a correr no quintal.
"Pulmão de Aço" narra a vida de Eliana no Hospital das Clínicas de São Paulo, onde viveu 42 anos*. Conta o início de sua vida, sua chegada no HC, o desenvolvimento de seu quadro, os companheiros de quarto. Vemos como é crescer dentro de um hospital, como é ver o mundo na horizontal. Vemos novos amigos chegarem, vemos amigos morrerem. Amor, solidão, depressão, esperança. Vemos interações de visitantes e funcionários, gente boa e gente ruim (sério, se você rouba um tetraplégico, você é a escória da humanidade).
Certas coisas são muito notáveis. A visita única de algumas pessoas, literalmente mais uma atividade durante a semana, são marcantes para sempre na vida delas, como é visível dos relatos da visita de Ayrton Senna e Fabio Jr. Algo simples, como dar mais uma volta no quarteirão, vendo as árvores, carros, pessoas e prédios, faz muita diferença para quem não pode nem ficar sentado ou olhar para baixo. E, muito importante, fica destacada a imensa importância das vacinas. Uma quantidade imensa de sofrimento poderia ter sido poupada por singelas gotas de uma vacina, cujo custo é irrisório.
Eliana sofreu. Mas Eliana também viveu. E vive. A vida encontrará um caminho.
* Anos depois da escrita do livro, Eliana se mudou de sua antiga residência no HC, e hoje vive com um amigo na casa dele, que foi adaptada para recebê-la. Paulo, seu parceiro no HC, permanece lá. Ele possui um canal de YouTube. Vale conferir.