carrilholet 30/08/2024
"Em algumas ocasiões, as mulheres, como os sonhos, devem ser lidos pelo avesso."
Quando comecei "Mulherzinhas", o fiz esperando tédio, já que foi isso que ouvi dos outros, mas fiquei super surpresa quando na verdade fiquei super investida. Foi uma leitura lenta e bastante mundana, no sentido de que as coisas que acontecem no livro são simples e rotineiras, e ainda assim fiquei fascinada pelas personagens.
Meg, Jo, Beth e Amy conquistaram meu coração mesmo sendo meninas tão diferentes uma das outras e em muito momentos pessoas bem difíceis e obstinadas. Da mesma forma cada uma dessas qualidades e defeitos formam personas reais e identificáveis, o que na minha opinião faz com que o leitor se apegue a cada uma de uma maneira diferente. Inclusive não aceito que falem mal de NENHUMA delas.
Obviamente por ser um livro do século XIX, as ideias, sonhos, ambições e lições que aparecem nas vidas das meninas seguem as ideias do tempo que era vivido. Ainda assim muitas das situações são super tocantes e outras continuam sendo bem atuais. Aos curiosos, o filme da Greta é bem fiel, mas obviamente mais adaptado ao pensamento feminista. (Não deixa de ser um livro/filme sobre mulheres brancas feministas, e sim raça e etnia e classe econômica influenciam muita coisa).
Por fim, fica o poema da Jo do final do livro, que enquanto eu quase chorava a bonita dizia que era péssimo:
"No sótão
Quatro bauzinhos perfilados,
Sujos de poeira, desgastados pela história,
Há muito construídos e abarrotados
Por crianças que vão crescidas agora.
Lado a lado, quatro chavinhas finas,
Alegres e corajosas, com laços desbotados,
Presas ali com orgulho infantil, de meninas.
Em um dia chuvoso, lá atrás no passado.
Quatro pequenos nomes, um em cada tampa esculpido,
Por mão com jeito de menino valente;
Por baixo disso jazem escondidos
Lembranças e registros da trupe contente
Que aqui brincava, tendo muitas vezes parado
Para ouvir o doce refrão,
Que ia e vinha no telhado,
Com a chuva de verão.
Leio “Meg”, em letras belas e gentis, e ergo a primeira tampa.
Espio dentro com olhos cheios de emoção,
E eis que bem- embrulhadas aqui acampam,
As peças de uma boa coleção:
Os registros de uma vida em paz
Presentes para a menina de jeito meiguinho,
Um vestido de noiva, versos esponsais,
Um cachinho de bebê, um belo sapatinho.
Os brinquedos foram levados embora,
Deles nenhum resta nesta primeira arca
Pois todos fazem parte agora
Da nova brincadeira dessa jovem matriarca.
Ah, mãe feliz! Bem sei que ouves soar
Sempre e sempre, num doce refrão,
Suaves canções de ninar
Na chuva de verão.
Na tampa seguinte vejo o nome “Jo”, arranhado e desgastado,
E dentro todo um vasto mundo
De bonecas sem cabeça, livros escolares rasgados,
Pássaros e bestas agora mudos.
Despojos roubados ao chão
Que apenas pés jovens podem pisar,
Sonhos de um futuro que não chegou,
Memórias de um passado que não passou;
Poemas incompletos, histórias loucas,
Diários que uma criança teimosa escreveu,
Cartas primaveris, inseguras e roucas,
Prenúncios de uma mulher que cedo envelheceu,
Uma mulher solitária neste lar,
Escutando, como um triste refrão– “Seja digna do amor, e o amor virá”,
Ressoando na chuva de verão.
Na tampa que leva seu nome, “Beth”, minha flor,
Não há resquício de sujeira ou pó:
Foram lavados por olhos que choram de amor,
Ou por mão cuidadosa que vem, acompanhada ou só.
A morte nos deu uma santa exemplar,
Cada vez mais divina e menos humana,
Guardamos suas relíquias neste santo altar,
Com um doce lamento, que nos irmana.
O sino de prata, que tão raramente soava,
O gorrinho que ela usava no fim,
A bela Catarina, falecida, que voava
Acima de sua porta, suspensa por querubins.
As canções que ela cantou, sem se lamuriar,
Suportando sua dolorosa prisão,
Misturadas sempre hão de estar
Com a chuva de verão.
Sobre a última tampa de madeira
Há um bravo cavaleiro que nada teme (A lenda agora é justa e verdadeira)
E em dourado e azul seu escudo diz: “Amy”.
Dentro há sapatilhas, puídas de tanto dançar,
As redinhas que amarravam seus cabelos, Leques já sem a faina de refrescar,
E flores desbotadas guardadas com desvelo.
Pretendentes felizes, todos chama finda,
Coisinhas que participaram dessa novela
De esperanças e medos e vergonhas de menina;
Registros de um coração de donzela
Que agora aprende encantos mais belos e reais,
Ouvindo, como um alegre refrão,
O som prateado de sinos nupciais
Ecoando na chuva de verão.
Quatro bauzinhos, perfilados,
Sujos de poeira, desgastados pela história;
Quatro mulheres, doces soldados
Que têm no amor e no trabalho sua vitória.
Quatro irmãs, separadas por um momento,
Nenhuma desgarrada, apenas uma mais cedo chamada.
A quem o amor, esse imortal sentimento,
Tornou ainda mais próxima e amada.
Oh, quando esses nossos estoques secretos
Se abrirem aos olhos do Pai Celestial, Que sejam de boas ações repletos,
E de horas luminosas um manancial.
Vidas cuja música corajosa há de soar
Como uma melodia que emocione e renove,
Almas que de bom grado hão de subir e brilhar
Feito a luz do sol, depois que chove.
J.M."