Tomás Woodall 04/07/2016
MEMÓRIAS FURTADAS??
Livro curioso, misto de memórias e ficção pelo criminoso francês Henri Charrière. No meio da controvérsia da veracidade da narrativa, consta que Henri se teria apropriado de relatos de colegas presidiários ou, talvez, toda a história seria criação de um amigo, um foragido, que lhe teria deixado o manuscrito como herança.
Mas não importa se Henri realmente era o Papillon original porque, no final das contas, o livro pode ser lido tanto como um bom romance de aventuras, quanto como um libelo contra o sistema prisional. E contém, certamente, referências e breves "biografias" preciosas de muitos criminosos reais das décadas de 1930 e 1940.
Não vou dizer que a leitura seja para qualquer um. Muitas vezes, deixando de lado as pequenas trapaças e espertezas dos "malandros", o narrador desce ao que há de mais primitivo e violento, como torturas física e psicológica, enlouquecimento, suicídio, assassinato e latrocínio. E tudo é narrado com a tranquilidade de quem viveu e acha costumeiro esses expressões absurdas de violência.
Em outros momentos, porém, a qualidade pesada do livro é contrabalanceada pelo lirismo e pelo bucolismo, principalmente durante a estada idílica e erótica com os índios guajira, em que Papillon teria duas esposas índias, Zoraima e Lali, mas também na vida simples com os amigos chineses, Cuic-Cuic e Van Hue, o Maneta, e a família de hindus/javaneses, Indara e seu pai feiticeiro.
Voltando ao começo, mesmo que este livro contenha memórias de outras pessoas, e não de Henri Charrière, ele é um forte libelo contra o sistema judicial e, principalmente, carcerário. Certamente que, sendo publicado em 1969, deixou marca indelével na década de 1970, mostrando, claramente, que a infame Ilha do Diabo era a parte menos ruim da coisa toda. A prisão perpétua em si transparece como um absurdo que lança os indivíduos, inocentes ou culpados, num desespero ou numa resignação imbecis, levando a todo tipo de tentativas de fuga, a novos crimes dentro da própria reclusão, à degeneração dos condenados. Chega a parecer, para Charrière, uma pena mais cruel que uma execução rápida. Daqui por diante, pensarei duas vezes antes de comparar essas duas "soluções" para a criminalidade.
Creio que todos os interessados em Direitos Humanos vão gostar desta obra.