alvsalmeida 28/02/2024
Mais Saulo do que Nietzsche
Já adianto que minha interpretação do livro vem de uma vida há mais de 20 anos envolvido com o cristianismo. Durante esse tempo ouvi e conheci pessoas como Nietzsche se apresenta nos textos escritos. Não conheço suas outras obras e meu entendimento do autor se baseia no que acabo de ler de seu último livro antes da falta de lucidez promovida pela loucura que o acompanhou até terminar sua jornada por aqui.
Quando digo que conheci pessoas como ele falo de pessoas feridas. Infelizmente no meio cristão encontrei pessoas que carregaram por muito tempo feridas expostas pela falta do cuidado e atenção com esses machucados. Pessoas que sofreram nas mãos de sacerdotes corruptos, os quais listavam no último tópico a sua preocupação e o cuidado com a alma de alguém, isso se ao menos tivesse esse tópico em sua lista de cristão.
O problema que certas feridas impedem a pessoa olhar para outros ângulos e outros lugares. Ela apanhou tanto com um cinto de couro que para ela todo cinto de couro não possui outra finalidade a não ser ferir, oprimir, machucar, desprezar, segregar, sendo que a única função oficial do mesmo seria segurar uma calça no nível da cintura de quem o usa.
Nietzsche se apresenta com essa ferida. Algo que deve ter acompanhado sua família já que vem de uma descendência protestante. Só consigo imaginar pelos dogmas que deve ter passado, as persuasões, humilhações muitas vezes promovidos pelo ascetismo daqueles que interpretam a letra mas não o Senhor da Palavra.
Neste livro vemos um homem que acredita em Cristo. Mas que para seguir na onda cética do seu nicho, remove a divindade de Jesus. Crê nEle, mas prefere subjugar os primeiros cristãos colocando todos no mesmo saco de sua revolta aos proselitismos o qual foi submetido em sua criação.
Nessa generalização, ser evangélico é ser idiota. E de repente se depara com alguém que foge do nível de idiotismo descrê da possibilidade de ser um cristão. Quase consigo ler um pensamento dele ao se deparar com um cristão que foge do seu pré conceito: - Certamente é um hipócrita, já que se carrega um bom conhecimento científico mas se diz cristão - pensaria Nietzsche.
Se apresenta como homem culto e detentor da verdade pelo fato de estar no topo das castas de Manu, longe de ser um chandala desprezível, mas que perde toda sua inteligência ao não saber interpretar uma simples parábola metafórica exprimida nos evangelhos, tendo necessidade de levá-la ao pé da letra. O plot twist de sua história seria descobrir que ele morria de amores pelo evangelho já que há pontos que não se percebe se era amor ou somente uma raiva reprimida de um sofrimento enrustido de sua tenra idade. Seus argumentos ora contraditórios, ora cheio de amargura expressam alguém que sofre, refutando seus argumentos.
Poderia dizer que este livro não me agregou em nada, mas estaria mentindo. A verdade é que ele nos permite entender o passado e enxergar o futuro. Pois se pode entender de onde vem a coragem de um anti-semita ao aniquilar friamente um judeu, já que suas palavras expressam um anticristo que está as portas do nosso mundo contemporâneo. Não aquele anticristo apocalíptico, mas o anticristo mergulhado em ideias (i)morais de liberdade e verdade pessoal que teria coragem ao ponto de fazer igual ou pior do que os nazistas e policiais ucranianos na segunda grande guerra. Um anticristo que só vê uma sociedade purificada sem a a presença de um único cristão para contar a história.
Poderia discorrer mais sobre a forma de poder que Nietzsche aplica aos cristão ao longo da história, já que os delega a culpa de destruir a história de grandes civilizações e culturas outrora mundiais. Mas deixo aqui minha singela piedade, pois, por mais que tentou se apresentar como ateu, suas palavras machucadas e doloridas apresentam mais vingança do que a tal que ele diz estar enraizada no evangelho e sua história, além de demostrar uma fé - mesmo que tente de uma forma frustada refutá-la - vestida de mágoas e remorsos de uma vida libertina a qual levanta com tanto prazer a bandeira de sua beleza mascarada pela certeza depressiva de culpar algo ou alguém pela falta das respostas de perguntas não respondidas.
Não nego que hajam os corruptos. Esses de fato não são os cristãos. São muitos os que se escondem atrás da Palavra e fingem viver um evangelho para encher seus bolsos as custas dos que crêem. Mas muito mais são os que vivem segundo a Palavra crendo que Cristo está além de um ser dotado de força de vontade para vencer a si mesmo e sofrer o martírio de morrer por todos. Ele é o Deus encarnado que veio para remir a todos os que nEle crê. Inclusive Nietzche que compara Paulo a um anarquista manipulador, sem conferir o espelho que reflete Saulo (antes de Damasco) com si mesmo.