spoiler visualizarCamilo 28/06/2011
A construção da identidade em “Pessach: a travessia”
por Tatiane da Costa & Camilo Gomes Jr.
Escrito sob o impacto do regime instaurado pelo golpe militar de 1964, Pessach: a travessia (1997)[1], de Carlos Heitor Cony, constitui uma obra polêmica[2] e reconhecidamente significativa, que, nas palavras de Antônio Callado[3], é o “livro que melhor registra, na literatura do Brasil, a angústia da época mais neurótica dos tempos modernos” (apud KUSHNIR, 2000, p. 232). E, se o faz, é porque o romance traz nuanças que permitem leituras que vão muito além dos elementos de interesse para uma crítica meramente sociológica ou marxista, por exemplo.
Assim, no presente texto, propomos a análise de alguns elementos mais notadamente culturais da obra e de seu principal personagem, enquanto nos focamos na questão da construção da identidade do protagonista-narrador, apreciando sua conversão à militância, sua inserção no mundo, antes ignorado ou menosprezado, da luta armada, onde se “aceitava o pacto com a morte” (CONY, 1997, p. 305). Buscamos, aqui, apreciar o processo, enquanto o protagonista constrói sua identificação com algo para além de si, despojando-se do hedonismo, da misantropia egoísta e da alienação política.
A esse respeito, cumpre destacar, como muitos já o fizeram (cf. BUENO, 2008), que Paulo Simões, tal como ocorre na obra de tantos outros escritores, revela-se, sob vários aspectos, reflexo autobiográfico do próprio autor, projetado no universo diegético da obra. O personagem, não por acaso, é um escritor publicado, de antecedência judaica, contando a mesma idade de Carlos Heitor Cony à época em que escreveu o romance[4]. Se Paulo não se situa nem à esquerda nem à direita do mundo político-ideológico de então, semelhante dualidade também se encontrava no próprio Cony, em certo sentido, já que o escritor, como se sabe, oscilava entre a opção filosófica por um individualismo liberal de inclinação pessimista, mas, após o golpe militar, engajou-se no enfretamento crítico ao novo regime, adotando um tom não raro agressivo, expresso sobretudo através de sua coluna no jornal Correio da Manhã (VIEIRA, 1998, p. 53).
Assim, o conflito interior entre os lados anarquista e humanista de Paulo Simões, tradução da dualidade notável no próprio Cony, desenvolve-se na obra, propondo questionamentos cuja resposta implica a necessidade de uma “travessia” em busca da construção de uma identidade de contornos mais bem definidos. Algo que se resolva numa postura definitiva perante a realidade, seja ela a escolha da manutenção conformista de sua vida burguesa e hedonista de Paulo, seja o seu engajamento militante no ativismo político e na luta armada.
Reforçando simbolicamente a necessidade dessa autodefinição, Cony estabelece a intertextualidade com a mitologia bíblica do Êxodo, no sentido de que o protagonista, descrito como um judeu assimilado que deu as costas às suas origens, é também levado a ter de se posicionar no que diz respeito a essa herança judaica, que deve decidir abraçar ou continuar renegando.
(CONTINUE LENDO RESENHA EM: http://ontogenialiteraria.wordpress.com/2011/06/28/pessach)