@samegui 18/09/2009
Review do livro O culto ao amador
Quando pesquisei para escrever o post sobre a gravadora de LPs e o relançamento de discos clássicos lembrei muito de uma leitura instigante que fiz há pouco tempo. Trata-se do polêmico livro de Andrew Keen, O culto ao amador – como blogs, MySpace, Youtube e a pirataria digital estão destruindo nossa economia, cultura e valores, publicado pela Jorge Zahar Editor.
o_culto_do_amador-andrew-keen- livros sobre web redes sociaisNo capítulo 4, intitulado O dia em que a música morreu, ele relembra o fechamento da loja Tower Records (em São Francisco, Califórnia) e parte deste evento para vaticinar um futuro cruel para a música com o advento da mídia digital – e a consequente pirataria, a troca de arquivos tão facilitada que vivenciamos hoje em dia. Nesta hora eu pensei: quando foi mesmo a última vez que eu comprei um CD? Para mim eu não lembro, mas comprei CDs para meus filhos. No entanto, quase não foram usados, imediatamente foram “ripados” e passaram a ser ouvidos no i-pod, no home theater ou no som do carro, todos com interface USB e tocadores de MP3. Terá sentido manter esta indústria, continuar fabricando CDs para esta geração?
Eu sinto por eles. Nunca foram a uma loja de CD com L maiúsculo. Eu lembro que na Tower Records de Shibuya (em Tokyo) podia-se encontrar qualquer coisa e não raramente podíamos parar na calçada em frente à loja para ver lá shows incríveis. Mas meus filhos não viveram isso e não creio que viverão. Por outro lado, conhecem uma variedade muito maior de música do que eu conhecia em sua idade e este conteúdo está sempre ao seu alcance.
As reflexões parecem leves, mas quando comecei a ler minha sensação foi de um soco no estômago! Como blogueira e entusiasta das redes sociais senti que as palavras dele me feriam. Mas como profissional de comunicação que migrou sua carreira da imprensa para o jornalismo online eu entendi perfeitamente suas preocupações. Esta sensação, esta divisão interna me impactou profundamente e creio que este era o objetivo dos editores quando me convidaram a conhecer a obra.
A imagem é boa, mas no meio de vários blogs que a usaram, não consegui detectar o autor!
A imagem é boa, mas no meio de vários blogs que a usaram, não consegui detectar o autor!
Além de uma grande preocupação – que o levou a uma cruzada que eu me arrisco a achar quixotesca, porque é uma luta sem chances de vitória e contra um inimigo que se não é imaginário, é tão coletivo que não pode ser identificado -, Keen critica muito a ideia que está por trás dos sites de relacionamentos, usando como mote o slogan do Youtube: “broadcast yourself” (traduzido no livro por Transmita-se a si mesmo).
“À medida que a mídia convencional tradicional é substituída por uma imprensa personalizada, a internet torna-se um espelho de nós mesmos. Em vez de usá-la para buscar notícias, informação ou cultura, nós a usamos para SERMOS de fato a notícia, a informação e a cultura.”
Dentro da crítica do autor, as redes sociais (ele cita muito o MySpace, que nos EUA é popular como o Orkut aqui) são “santuários para o culto da autotransmissão” e “repositório de nossos desejos e identidades individuais”. Parece exagero, mas quando ele trata deste tema, ele tem certa razão. Se a mídia antiga está ameaçada de extinção, quem tomará seu lugar? (e aqui reflexões sobre o fim da exigência do diploma de jornalista no Brasil e questões como o sigilo das fontes nos vêm inevitavelmente à mente)
Diariamente eu recebo pedidos de novos blogueiros interessados em ingressar num dos projetos que eu coordeno e na triagem que faço eu noto que está se reduzindo o número de editores de blog têm noção da importância da ética quando à autoria dos textos, da responsabilidade que um escritor tem com seus leitores, da importância do relacionamento honesto e colaborativo com seus pares. Cheguei a receber uma proposta que garantia que seu conteúdo era perfeito para compor a rede de blogs femininos e, ao entrar no blog, percebi que tinha cópia integral e descarada de textos do portal que reúne os blogs – e claro, sem qualquer menção aos autores ou links para o site “referenciado”.
Imagem de Alessandra Oliveira
Imagem de Alessandra Oliveira
O futuro parece desolador. Para quem não sucumbir à depressão desta realidade mostrada por Keen no qual a música (quiçá boa parte da indústria do entretenimento) será “um atrativo gratuito para vender outras coisas” – porque com a pirataria digital, explica o autor, não há mais investimento das gravadoras e grandes estúdios em novos nomes e consequentemente a qualidade artística poderá decair -, há soluções.
Uma delas, que considero uma cruzada interessante (e apóio), mas na qual também noto “toques de Dom Quixote”, é a luta pela proteção aos direitos autorais. Neste ponto – defendido com detalhes históricos no capítulo O Dia em que a música morreu [lado B] – tive dúvidas imensas sobre a capacidade que nossa sociedade atual tem de criar diques que consigam resistir às tempestades da web 2.0 e às enchentes de novos usuários que não estão dispostos a pagar para ouvir música, ver filmes e seriados ou ler livros.
Fato é que não podemos mais olhar para o lado e fingir que não vemos esta realidade que está à nossa frente. É momento de pensar coletivamente como podemos “canalizar a revolução da web 2.0 de maneira construtiva, de modo que ela enriqueça ao invés de matar nossa economia, cultura e valores”. E neste ponto recomendo O culto ao amador como ponto de partida para uma reflexão profunda e colaborativa sobre o momento que vivemos.
[Parte desta discussão foi tema do Digital Age 2008 e na época fiz um post sobre a palestra do professor Lawrence Lessig, fundador e idealizador da Creative Commons.]
P.S. Devo deixar claro que por não ser estadunidense não concordo com parte do discurso de Keen, segundo o qual é preciso “reformar, não revolucionar, uma economia de informação e entretenimento que, ao longo dos últimos 200 anos, reforçou valores americanos e fez da nossa cultura a inveja do mundo”. Embora eu respeite e consuma cultura dos EUA, não consigo concordar – prefiro considerar que nossa cultura (a brasileira) é uma das que faz inveja ao mundo – mas este papo fica para outro post!
Vale ver o video
Andrew Keen conversa com Jorge Pontual
http://www.samshiraishi.com/andrew-keen-conversa-com-jorge-pontual/