Celsol 07/08/2012
FICHA DE LEITURA DO LIVRO ULISSES DE JAMES JOYCE
Em plena olimpíada de Londres de 2012 consegui bater o meu próprio recorde, acabo de galgar a leitura da centésima página do livro Ulisses de James Joyce, após várias tentativas abortadas desta travessia. Desde que comprei o volume da 7ª edição, em meados da década de 1990, com a clássica tradução de Antônio Houaiss, a cada novo quinqüênio voltava a testar a minha capacidade de abstração na leitura com obstáculos da obra prima de Joyce. Diz uma lenda difundida na internet que ninguém conseguiu ler de fato todo o livro, seja como for, os relatos de desistências definitivas e de reincidentes abandonos, como o meu caso, são numerosos.
O principal obstáculo é que, dizem, sequer há uma história sendo contada, e o texto é desenvolvido por narradores diferentes, sem linearidade, que mudam de repente e não se sabe quem está falando pra quem, e seguidamente nem se fica sabendo que assunto está sendo tratado durante várias páginas. Exige, portanto, que o leitor seja um atleta literário com fôlego para se manter por longo tempo surfando sobre os fluxos e refluxos das palavras do autor, muitas inventadas pelo próprio e reinventadas pelo tradutor.
Desta vez, porém, creio ter atingido a maturidade intelectual suficiente para segurar a onda por toda a travessia, não como uma árdua leitura, e sim com a alegria de um esportista que sente prazer em praticar o esporte de leitura literária: ler por puro lazer, com paciência de discípulo budista. Mas, confesso que a coisa já não ia bem no final da primeira parte, eu começava a esmorecer lá pela página 42, como prenúncio de um novo naufrágio. Então comecei a praticar o método de leitura em voz alta, interpretando com entonações orais as frases e soletrando as palavras agrupadas com neologismos. A partir daí sim, ganhei um novo fôlego e atingi o inédito marco lido de um quinto do livro. Estou, pois, otimista que desta vez vou conquistar a medalha de ouro ao chegar até a última frase do clássico dos clássicos moderno...Uau!, que susto: Fui espiar agora qual era a última frase do livro, para transcrever aqui como a “linha de chegada”, e voltei a levar medo da empreitada ao descobrir que a última frase, a rigor, se estende por 33 páginas, sem vírgulas e sem pontos. A reta de chegada parece ficar numa montanha íngreme de difícil alpinismo até para a leitura em voz alta. Espero que durante a longa maratona o leitor amador vá aprendendo a dominar as armadilhas do universo joyceano, ficando apto para a escalada da leitura final até o recebimento da bandeirada de conquista do seu Olimpo.
Todavia, para não perder o foco da linha de chegada na longínqua última página do livro, decidi adotar o didático procedimento de fazer um “Ficha de leitura do livro Ulisses de James Joyce”, para me garantir que estou acompanhando os malucos fluxos psicológicos de Joyce, que em Ulisses são verdadeiros “fluxos alucinógenos”. Toda atenção é pouca, por isso vou ir cravando referências pela quilometragem do caminho, de modo que possa sempre recapitular quem é quem e por onde andaram e andam, pelo menos os personagens que eu identificar como sendo os principais do enredo sem trama, ou do drama sem enredo.
O livro é constituído de três partes. Na primeira parte, que é um trecho curto de 45 páginas, aparecem os personagens Buck Mulligan e Stephen Dedalus (que é professor e cujo apelido é Kinch) às voltas com o café da manhã na “torre” onde moram em Dublin na Irlanda, com a visita de Haines, um amigo deles. Até que saem caminhando pelas ruas e cada um toma o seu rumo.
A narração segue Stephen dando aula e registra a intervenção de vários alunos... Depois Stephen vai conversar com o diretor da escola, o Sr. Deasy, e divagam... Daí Stephen vai até a casa do seu titio Richie com a presença do primo Walter que entra em devaneios de fluxos psicológicos da página 34 até a 42, no final da primeira parte do livro.
Na PARTE II, a narração segue Leopoldo Bloom. Inicialmente o Sr. Bloom e o sua gata... Depois o Sr. Bloom vai até o armazém caminhando pelas ruas, onde fica sabendo por M’Coy da morte de Paddy Dignam...(entram em cena ou são citadas a esposa do Sr. Bloom, Marion Bloom, e a filha, Milly Bloom)...
Segue com o Sr. Bloom que está se arrumando para ir no enterro de seu amigo Dignam...depois vai caminhando por vária ruas, encontra e conversa com alguns conhecidos, entra na carruagem do féretro até o cemitério (pg 68), juntamente com Dedalus Stephen ( pai de Stephen), quando se fica sabendo que o Sr. Bloom é o tio de Mulligan...Na andar da carruagem ocorrem longos diálogos com Hynes, Power e Marin Guningham...Acompanham o enterro de Dignam no cemitério...(pg 90).
A partir da página 90 até a 115, há vários trechos curtos com títulos anunciando o tema desenvolvido a seguir, ambientado com o Sr. Bloom no Jornal onde trabalha com Hynes, Power, Marin Guningham e Dedalus Stephen...O Sr. Bloom sai do “Jornal Telegraph” para agenciar um anúncio de um cliente no periódico, enquanto os outros continuam jogando conversa fora; depois ele retorna e vão todos, novamente caminhando pelas ruas, se embriagar no bar Mooney... Em Dublin, no Bloomsday (16 de junho) os fãs da obra refazem o percurso dos personagens Stephen Dedalus e Leopold Bloom pelas ruas da cidade conforme descritas por Joyce.
Encerro aqui esta primeira parte da minha “Ficha de leitura do livro Ulisses de James Joyce”, ficha que passa a servir de apoio logístico para o restante da jornada de mais de quatrocentas páginas com letras miúdas que ainda faltam. Mas, a estas alturas, começo a sentir firmeza na minha jornada pela epopéia do Ulisses, pois já estou dando boas risadas com o peculiar senso de humor do Joyce, com coisas do tipo: “não há limites para o gosto. Gostaria de saber como é carne de cisne. Robson Crusoé teve de viver à custa deles./ Mas então por que é que peixe de água salgada não é salgado?/Todas as espécies de lugar são boas para anúncios. Aquele doutor charlatão de esquentamento costumava colar o seu em todos os mijatórios...à escondidas, correndo para dar uma mijada...Não colocar cartazes. Vão botar MERDAZES./ Foi um freira dizque que inventou o arame farpado./Preste atenção nele – disse o senhor Bloom – anda sempre do lado de fora dos postes. Olhe!/ Pobre senhora Purefoy! Marido metodista. Método na sua loucura. Presentei-a com um rebento cada ano...Pobrezinha! E ter de dar os peitos ano após ano toda hora da noite./ Diante do enorme portão da casa do Parlamento irlandês uma revoada de pombos voava depois de comerem. Quem é o que vamos premiar? Eu escolho o sujeito de preto. Aí vai. Deve ser emocionante fazer lá do alto./ Desde que dei de comer às aves faz cinco minutos. Trezentos bateram com o cu na cerca./Empilhados em cidades, gastados, geração após geração./Nem um é um algo./ Vindos do vegetariano. Somente legumovonada e fruta. Não comem bifisteque. Se o fizeres os olhos da vaca te perseguirão por toda a eternidade... Faz o sujeito passar a noite sentado no trono./ Eu era mais feliz então. Ou era aquele eu? Ou sou eu agora eu?/ Oferece um gole uma vez ou outra. Mas em ano bissexto.”
Espero concluir a leitura do livro Ulisses de James Joyce antes da próxima olimpíada, que será realizada em 2016 no Brasil, quando com a medalha de ouro do Ulisses no meu peito, quero estar conquistando a leitura de Rayuela de Julio Cortázar, em espanhol, livro que igualmente está pendente com várias tentativas e desistências há quase vinte anos.
Meu blog: http://celsol-diariodeumaposentando.blogspot.com.br/
Celso Afonso Lima