DIRCE18 22/08/2014
Sem redenção, mas uma leitura que vale a pena se dar uma chance
Cheguei ao romance "A Memória de nossas memórias graças às resenhas dos leitores frequentemente por mim citados: Arsenio e Nanci, resenhas que são de um primor e uma abrangência surpreendentes e que me deixaram convicta de que nada ou pouco me resta a acrescentar a elas, portanto, prevalecerão, neste meu comentário, as sensações que me assaltaram durante a leitura e que, ao contrário do que eu supunha, povoaram e continuam povoando os meus pensamentos.
Quando iniciei a leitura do romance, eu tinha acabado de percorrer a solar Argélia pelas mãos de Camus e estava me sentido iluminada pelo seu pensamento, de forma que, mesmo lendo e relendo os dois primeiros capítulos, não conseguia entrar no clima, na obscuridade, do " A memória de nossas memórias. Resolvi dar um tempo, fiz uma pausa, parti para a leitura de outro livro ( A Desumanização do VHM). Concluída a leitura do romance do VHM, resolvi dar uma nova chance a Nicole Krauss.
Comecei da estaca zero, melhor dizendo, da primeira página e mais atenta não me passou despercebido que logo abaixo do título português encontrava-se o título original - "Great house" (hein??).
Bem, a essa altura, já exorcizada de Camus, me entreguei à leitura , porém a minha entrega não foi de muita valia nos primeiros capítulos - as narrativas se apresentavam confusas, destoantes uma da outra, que me levaram a acreditar que não se tratava de um romance mas, sim, de uma coletânea de contos. Não tardou para que eu me apercebesse que estava equivocada, pois embora as narrativas sejam feitas em épocas, geografia e por narradores distintos, uma antiga escrivaninha faz com que trajetórias existenciais se cruzem resultando em um romance instigante e eloquente.
O livro é constituído de duas partes e por capítulos nomeados e que se repetem (os nomes) na segunda parte, que me deram a sensação que poderiam ser lidos inversamente, mas, por favor, não façam isso, pois Weiz, na última narrativa, amarra muitos fios soltos, assim como, esclarece às páginas 326, o título original do livro - Great house- e a versão a ele dada- Memórias de nossas memórias, ambos na minha opinião, após fala de Weis, pertinentes. Por meio dos capítulos conhecemos histórias e dramas vivenciados por várias personagens, dramas estes, que afetam de modo negativo àqueles que o cercam: da solitária Nádia, a escritora nova-iorquina que detém a posse da escrivaninha por 25 anos, do ressentido e arrependido Aaron- o senhor israelita pai de Uri (com quem tinha afinidade) e do introvertido e sonhador Dov, o jovem que, para suportar a dor de ter sobrevivido à Guerra do Yom Kippur, se impôs o exílio voluntário o que só fez aumentar o abismo existente entre pai e filho, da hermética escritora que escondia um doloroso segredo Lotte, e da jovem Izzi que, ao se apaixonar por Yoav, irmão de Leah, irmãos que mantinham uma ligação simbiótica, passa viver às suas sombras.
Solidão, dores, segredos, morte são temas recorrentes nos romances, mas que se apresentam de forma inusitadas pelas tintas de Nicole Krauss - por meio de metáforas como um tubarão branco ligado por fios,a pesada escrivaninha com suas inúmeras gavetas sendo que uma se manteve fechada por 66 anos, a mulher que beijava o chão chorando, ela nos passa mensagens subliminar que nem sempre me foi possível captá-las. Há ainda a aparição de Daniel Varsky que confere um ar misterioso ao romance. Um romance que me deixou feliz por eu ter insistido na leitura, por eu ter dado uma nova chance não a Nicole Krauss, mas a mim mesma, mesmo se tratando de um romance que, excetuando o vislumbrar do futuro de Izzi e Yoav, não concede redenção .
O livro me deixou a sensação de que alguns fios não foram devidamente amarrados, ou talvez fosse melhor dizer que surgiram algumas cartas fora do baralho, que me fizeram avaliá-lo com 4 estrelas, contudo, esperançosa de que em uma futura releitura eu possa avaliá-lo com 5 estrelas.