Tico Menezes 13/09/2024
Luz onde não havia, luta onde necessita
O Quinze é um livro curto escrito por uma jovem de 19 anos que questiona as expectativas e o papel da mulher na sociedade ? na década de 30! ? e denuncia o abandono e a negligência do Brasil para com o Nordeste na maior seca de sua geração, colocando a região no holofote dos debates sociais da época. Tinha como ser menos do que maravilhoso?
A prosa regionalista de Rachel de Queiroz é fluida, sensível e próxima do leitor. Vivemos por algumas páginas as vidas de Conceição, Vicente e Chico Bento. O Ceará de 1915 é detalhado em suas felicidades, mas principalmente sentido em suas tristezas. As falas, maneirismos e gírias são tão cheias de vida, é perceptível que a autora falava sobre o que conhecia, sobre pessoas com quem conviveu, questões que tinha em sua juventude tão letrada e diferente do esperado. Os questionamentos de Conceição são muito coerentes com a vida de Rachel de Queiroz, o que, por vir de uma jovem, precisava ser expresso com veemência, e é o que acontece.
Já o brilho maior do livro ? além da técnica inteligente e precisa e dos elementos populares tão bem utilizados ? está no arco de maior sofrimento. Chico Bento é o protagonista de O Quinze, na minha opinião. O sertanejo tem em suas dores, perdas e esperanças as mesmas de todo uma população que vive à margem da sociedade, que não é visto nem valorizado e, por muitas vezes, vê seu sofrimento romantizado como exemplo de construção de caráter ou coisa assim. É palpável o desespero, o medo e a ansiedade nos passos da família de Chico, no clamor faminto de seus filhos, na dor de Cordulina. Seu destino ter ficado em aberto é coerente, afinal, tantas famílias também se despediram de tudo o que conheciam ao arriscar uma vida melhor em São Paulo. Profundamente tocante.
Conceição é uma personagem tão, mas tão próxima de Rachel de Queiroz que chega até a ser irônico. É uma mulher muito inteligente, progressista na questão feminista e quebra padrões e expectativas com argumentos sólidos, sensíveis e irrefutáveis. Mas é dona de um amargor complexo, confuso, em constante conflito. E é racista, não pelo contexto da época, mas por ser uma pessoa preconceituosa e invejosa que não consegue ser feliz com o que é. Rachel de Queiroz e suas conspirações para viabilizar o Golpe Militar, seu cinismo ao ser questionada sobre as vidas perdidas pela ditadura que ela ajudou a instalar, mesmo sendo uma mulher inteligente e que tanto fez pela literatura brasileira e por causas sociais importantes evidenciam o quão próximas estão criatura e criadora.
Um marco na literatura nacional que merece ser lido, debatido e reverenciado como tem sido por décadas. Levanta questões que provocam estudo e pesquisa, mas acima de tudo, fala sobre nós em diversas camadas, numa potência e sensibilidade que atravessam o tempo.