spoiler visualizarLeo.vicente 08/09/2024
"O sertanejo é, antes de tudo, um forte"
A frase, de Euclides de Cunha, também serve para O Quinze, de Rachel de Queiroz.
Nesta obra, a autora relata a força dos sertanejos diante da grande seca de 1915 (daí o nome da obra). Mas, mais do que as personagens muito bem escritas e desenvolvidas, o cenário assume o papel de protagonista. É frente às misérias, tendo a seca como pano de fundo, que o destino de cada personagem se dá. Tudo escrito de forma magistral.
"O céu, transparente que doía, vibrava, tremendo feito uma gaze repuxada. Vicente sentia por toda parte uma impressão ressequida de calor e aspereza.
Verde, na monotonia cinzenta da paisagem, só algum juazeiro ainda escapo à devastação da rama; mas em geral as pobres árvores apareciam lamentáveis, mostrando os cotos dos galhos como membros amputados e a casca toda raspada em grandes zonas brancas.
E o chão, que em outro tempo a sombra cobria, era uma confusão desolada de galhos secos, cuja agressividade ainda mais se acentuava pelos espinhos."
Sobre as personagens humanas, destaco aqui três.
Primeiro, Chico Bento e a família, que são obrigados a se tornarem retirantes. No caminho, perdem um filho envenenado e outro supostamente fugido. De costelas a mostra e torrados do sol, depois de vaguearem e pedirem, pela falta de comida e de oportunidades, conseguem uma passagem para São Paulo, onde esperam encontrar uma vida menos sofrida.
Há também Conceição, uma professorinha da cidade. Além de leitora ávida e cheia de novas ideias, Conceição também demonstra ter um bom coração ao fazer de tudo para ajudar pessoas no campo de retirantes.
"Acostumada a pensar por si, a viver isolada, criara para seu uso idéias e preconceitos próprios, às vezes largos, às vezes ousados, e que pecavam principalmente pela excessiva marca de casa."
E, por fim, Vicente. Único dos irmãos a não buscar uma carreira acadêmica, Cente assumiu a responsabilidade do trabalho rural e, por isso, zelava por tudo aquilo que pertencia à família. De bom coração, fincou o pé, apesar da seca, mantendo os empregos de todos os seus caboclos.
"Teve um súbito desejo de emigrar, de fugir, de viver numa terra melhor, onde a vida fosse mais fácil e os desejos não custassem sangue.
Mas logo lhe veio a lembrança dos pais, tão velhinhos, que tudo esperavam dele; evocou o que seria o desamparo da fazenda, vazia de seu esforço; o gado abandonado, tudo paralisado e morto; e pensou no seu isolamento na terra longinqua, no vácuo doloroso de afeições em que se iria debater o seu coração exilado.
O desejo esboçado extinguiu-se; a cabeça desolada novamente se abateu na ombreira; e o coração, envergonhado, entregou-se a um momento de desesperança e fraqueza".
Por fim, no clima árido e seco, a autora ainda planta a semente de um possível romance entre Conceição e Vicente. No entanto, a partir de um mal entendido, ambos percebem o abismo que os separa. A semente então seca, como tudo ao redor.