As Palavras e as Coisas

As Palavras e as Coisas Michel Foucault




Resenhas - As Palavras e as Coisas


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Jess.Carmo 27/08/2021

Surgimento do homem moderno
Em seu livro "As palavras e as coisas", Foucault conjectura o desaparecimento do homem. Segundo ele, se as disposições que permitiram a construção do conceito homem viessem a desaparecer, o próprio conceito, a saber, o homem, também se desvaneceria, assim como um desenho na areia da praia apagado por uma onda. Nesse sentido, surgiria um novo problema e um novo objeto de estudo.

Dizer que o homem é uma produção, é considerar como a cultura e a política está imbricada com a própria produção científica. A obra colocar em destaque como essa noção de individualidade surge através de práticas sociais e, sobretudo, dos saberes das ciências empíricas - Linguística, Biologia e Economia.

Para Foucault, Kant é o filósofo que assume o papel de referência para o processo de transição do pensamento clássico para o pensamento moderno, não Descartes. Enquanto o segundo autor defendia a importância da matemática, do método para a ciência (a forma de se alcançar a verdade) e conceber um indivíduo/si a-histórico e universal, Kant levanta uma problemática distinta, a saber, o que é o presente ao qual pertenço? É essa reflexão que problematiza o homem que fala, o que é o homem moderno e o que é a modernidade. Enquanto para Descartes o homem é universal e, portanto, a-histórico, para Kant o homem se apresenta em sua finitude, ou seja, histórico.

Isso não é possível com Descartes, porque a matemática não implica um indivíduo ou um Eu que se situa em determinado momento histórico, mas uma ordem de conhecimento que tem como pressuposto fundamental um Eu anterior a ela e a-histórico. Para Descartes, a aquisição de um conhecimento verdadeiro não poderia prescindir da razão. Além disso, o autor considerava que os sentidos humanos poderiam nos enganar e, por isso, não seria prudente construir um conhecimento apenas pela observação. A máthesis universal de Descartes é condição de possibilidade para conhecimento clássico, não da Modernidade. O conhecimento clássico conhece o mundo através da razão, não do empírico.

A racionalidade Moderna rompe com a universalidade da máthesis e com razão clássica. Enquanto a filosofia de Descartes prescindia - em sua busca de construir uma ciência geral que explicasse tudo a partir da ordem e da matemática - de uma reflexão específica, Kant problematizará o presente, o campo transcendental, ou seja, as condições de possibilidade para a construção de formas que nos permite conhecer/pensar determinados objetos. Em suma, a ordem pura da razão formal não será mais suficiente para explicar essa região que se funda a empiricidade, mas a empiricidade não poderá suspender por total o campo formal.

Sob um olhar arqueológico, é impossível o surgimento de um saber sobre o homem ou aparecimento das ciências humanas antes da Modernidade. Isso ocorre porque antes disso o homem não existia ou ao menos a representação que temos acerca do que é o homem moderno - finito, já que está limitado ao corpo, trabalho e linguagem; representável em sua existência corporal, falante e laborioso - não existia. Dessa forma, o homem só existe na Modernidade como um objeto a ser estudado pelas ciências humanas, na medida em que vive, fala e produz.

É necessário fazer um recorte do a priori histórico que tornou possível o aparecimento das ciências humanas e do homem moderno. As ciências empíricas (a economia política, a linguística e a biologia) anunciam a finitude do homem. Quando o homem passa a ser objeto de análise das ciências empíricas, em sua positividade do saber, nos deparamos com nossa finitude, isto é, quando conhecemos a anatomia do corpo, os mecanismos dos custos de produção ou o sistema de conjugação indoeuropéia (Sistema de linguagem), produzimos o homem finito. O que esses campos de saberes mostram é que o homem, esse objeto produzido, é mais determinado do que livre. A finitude é a condição biológica, econômica e de linguagem do homem. A finitude é produzida pelas ciências empíricas e condição do homem.

Ora, ao falar da escassez alimentar, a economia fala também da finitude. O trabalho, nesse sentido, é uma forma de escapar da morte iminente. Quando a medicina antomopatológica insere a lógica da doença no corpo do homem, toda intervenção médica será para evitar a finitude do corpo. Quando Freud teoriza acerca da pulsão de vida e pulsão de morte também está teorizando sobre a finitude humana. Enfim, é a finitude que dá condição de possibilidade para o surgimento das ciências humanas. Em suma, o homem empírico é uma construção conceitual totalmente diversa do homem racional de Descartes.

Conforme discutido anteriormente, antes da Modernidade a ideia de um campo de conhecimento como os das ciências humanas era incompreensível, já que a representação do que é o homem também não era possível. Mas por quê? Será necessário o choque com a finitude do homem, através da positividade desses novos saberes das ciências empíricas, para que seja possível, dessa forma, constituir uma concepção de homem.

Esse é o a priori histórico para o surgimento das ciências humanas e do homem moderno. Não significa dizer que o ser humano só existe a partir da modernidade, mas que o homem representável por seu labor (economia), sua existência corpórea (biologia) e pela fala (linguística) só é possível a partir deste momento. É nesse espaço de representação do homem que as ciências humanas se debruçarão. Nesse momento, o homem irá haver-se com o seu modo de ser (como trabalha, seu sistema econômico e sua fala).


site: https://www.instagram.com/carmojess/
Douglas 30/08/2021minha estante
Que baita resenha! Poderia virar um pósfácio ;)


Jess.Carmo 08/09/2021minha estante
Obrigada, Douglas!


comprido 28/11/2023minha estante
qual nome da referencia que Focault usa ? kant livro




brunossgodinho 02/08/2022

Mal sei por onde começar a escrever algumas palavras sobre esse livro. Talvez dizendo que eu o li cinco vezes e só na última, depois de lê-lo à luz de uma aula com uma professora bem mais experiente que eu em ler Michel Foucault, é que tive clareza da potência desse trabalho. Além do mais, tudo que poderia dizer sobre esse livro em termos de uma análise acredito que já foi dito na resenha da Jess Carmo.

Assim, o que resta dizer desse livro? Imagino que seja dizer aquilo que me compete na capacidade de profissional ao qual esse livro importa, na capacidade de historiador. Julgo que os historiadores ainda não se deram com esse livro, quer dizer, uma parte significativa da comunidade de pessoas formadas em História e que pesquisam o passado, que produzem estudos sobre o passado, não se deram conta do tamanho do questionamento que esse livro impõe ao próprio saber histórico.

É comum que se leia, nos cursos universitários de graduação e pós-graduação em História, alguns textos de Michel Foucault. Especialmente textos da "segunda época", da "fase genealógica", ou seja, a partir dos anos 1970, depois da publicação de A ordem do discurso. Essas leituras são, em sua maioria, improdutivas. Isso porque é impossível compreender o que Foucault pensava sobre a história como saber positivo sobre o passado sem que se entenda que sua herança crítica é outra.

Estamos acostumados a ler herdeiros de Kant e de Hegel, de Weber e de Durkheim. Nada nos prepara para Michel Foucault e sua crítica nietzschiana. Pouco faz sentido aos olhos de um leitor desavisado do simpático francês quando lê coisas sobre uma "arqueologia" ou uma "genealogia". Especialmente porque Foucault escrevia numa modalidade de publicação que em nada se parece às nossas regras da Associação Brasileira de Normas Técnicas, que entulham nossos textos acadêmicos com as necessárias referências. Desse modo, um livro que vem sem bibliografia, cujas notas são referências às fontes estudadas (textos publicados entre os séculos XVI e XIX), e cujas discussões passam ao largo de dar nomes aos bois criticados implicitamente não pode ser leitura fácil.

A despeito das dificuldades do leitor mais inexperiente, o que impediu que os mais experientes tenham se havido de verdade com esse livro? Que não tenham feito congressos, publicações coletivas, monografias, teses famosas a seu respeito? É realmente surpreendente que tenhamos tão pouca literatura especializada que comente um livro com mais de seis décadas de publicação que tem como um de seus pontos de culminância a discussão da história como forma de saber.

Não tenho resposta e sempre me agrado quando vejo, aqui e acolá, uma alma corajosa que sai de algum canto escuro da comunidade de historiadores para falar das dificuldades que a obra de Michel Foucault impõe à pesquisa histórica. Aos outros leitores que forem enfrentar esse livro, sugiro força de vontade. É uma dura jornada, recompensadora, ainda que o prêmio venha só na quinta vez ou depois.
Jess.Carmo 03/08/2022minha estante
De fato, é estranhíssimo que os foucaultianos falem tão pouco dessa obra. Estou procurando ler um pouco mais Kant antes de retomar a ela. Acho que algumas coisas vão ficar mais claras com uma leitura mais amadurecida de Kant.


brunossgodinho 03/08/2022minha estante
Kant é uma leitura importantíssima mesmo, com relação ou não à obra do Foucault. E, aliás, é engraçado pensar que esse livro conclui o percurso que ele inicia em História da loucura e eu o li sem, até hoje, ter lido nem a História da loucura nem O nascimento da clínica (mas, li e reli A arqueologia do saber). Mas, é a vida, né? Falta tempo.




Mario Sergio 05/11/2012

Um mestre na compreensão do mundo dito real como um fenômeno literário e psicológico
Compreendemos o mundo através de esquemas próprios de nossa época ou de nossas possibilidades culturais. Foucault nesta obra prima da filosofia, mostra como cada época entendeu o mundo a sua volta através da lente dos conceitos expressos em palavras ou não. E através de textos segue o fio de Ariadne da evolução do conceito de Ser Humano, mostrando que o próprio Homem, como ele se entende, é produto de um esquema cultural de época, como em qualquer outra época que nos precedeu.As coisas portanto não são coisas mas o produto dos conceitos e concepções que temos sobre estas coisas, os quais geram as palavras e os discursos com os quais nós as descrevemos e julgamos percebê-las.
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ety 13/05/2021

Mais um livro que fui obrigada a ler por conta da faculdade, li e não entendi absolutamente nada ???
ety 13/05/2021minha estante
recomendo a ficar longe ;-;




Arthur 21/08/2010

O texto que segue não é exatamente uma resenha, mas muito mais uma apreciação preliminar e exploratória das questões suscitadas por Hayden White.

Espero que apreciem.

http://periodicos.uem.br/ojs/index.php/Urutagua/article/viewFile/6805/4627
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Filino 09/05/2019

Uma verdadeira arqueologia
"As palavras e as coisas" não é uma obra fácil. Em alguns momentos a leitura é mais agradável; em outros, parece bastante árida. De qualquer modo, um clássico. Nesse livro, Foucault inicia discorre longa e detalhadamente sobre a noção de representação, partindo em seguida para uma análise sobre três campos em que é possível constatar uma enorme mudança no campo epistemológico: a gramática, a economia política e a biologia. O autor demonstra como o tratamento dado a esses campos do saber foi modificado e como esses mesmos saberes foram constituídos como tais (sobretudo no século XIX). E uma discussão desse porte não se limitaria ao campo da epistemologia: desemboca numa interrogação sobre o próprio homem e sua finitude. Foucault insiste que o homem, enquanto objeto próprio de investigação, é algo recentíssimo - remota, também, ao XIX. E, na esteira disso, alude à História, a psicanálise, a etnologia e a linguística - ferramentas que, embora não devessem ser caracterizadas como "ciência" tal como se deveria compreender essa denominação, são imprescindíveis para encarar e compreender (ainda pouco que seja) o homem. Ao final, uma ponta de poesia e pessimismo, com a imagem da face do homem sobre a areia.

O trabalho "arqueológico", reconhecido pelo próprio autor em algumas passagens da obra, é extraordinário. Imprescindível para pensadores e historiadores da ciência.
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