Rafa 23/05/2021
Só perdeu um pouco na tradução...
O tipo de narrativa que "bate" em cada um de forma diferente.
Acredito que pra ler Sula de forma a se conectar com a história, o leitor precise ter algum tipo de relacionamento com a história negra americana - seja pelo próprio leitor ter uma vivência "espelho" no Brasil, ou por tê-la estudado em algum momento.
Sempre me interessei muito por African American English (do ponto linguístico e histórico) então histórias como a de Sula sempre estiveram presentes em minhas leituras e estudos e, apesar de não estar presente na minha pele, na minha vivência, a história me pegou desprevenido. Eu não estava esperando algo que fosse tão reflexivo rs
Acho que o que mais gostei é que é uma história sobre mulheres negras em que o branco não ocupa o espaço central. Não é uma história sobre subserviência negra, não é uma história sobre branquitude (tem lá seus recortes, como na questão dos empregos, mas não é o foco), não é uma história sobre 'vamos acordar, gente branca, o racismo tá ai'. É história sobre pessoas que sobrevivem, que lutam, que seguem suas vidas _apesar_ do racismo, apesar do machismo e cujas vidas são atravessadas (com reflexo direto em suas condições de vida), mas não dependem do branco.
Acredito que Toni tenha conseguido fazer exatamente o que é questionado no posfácio: é uma autora negra que não escreveu, em Sula, 'sobre' racismo. O racismo atravessa a história, mas mais como uma cicatriz, do que como o foco central. E isso por si só, do ponto de vista literário, é uma revolução. Como assim uma MULHER e NEGRA não está falando SOBRE racismo PARA gente branca?!
Ao colocar Sula na mesma posição de um homem - por que não, branco! - que sente que tudo pode, que tudo é permitido à ela, e que, por isso, é vista como 'bruxa', a única coisa que me passou na cabeça durante a leitura inteira foi: e se fosse um homem branco, incomodaria tanto?
O único disclaimer, que eu, como tradutor (de formação, não de atuação ?) faria é com relação à língua. O livro original é todo escrito em African American English, o que dá peso, marca e caracteriza toda a obra. Isso foi perdido completamente na tradução (a própria tradutora dá esse aviso no prefácio, e eu concordo, não temos nada parecido no português brasileiro). Se alguém tiver alguma ideia de solução possível, eu adoraria ler!