Davenir - Diário de Anarres 24/01/2017
TAZ: uma conversa entre o anarquismo e o cyberpunk.
Olá. Esta é mais uma obra de não ficção no blog. Desta vez vamos falar de "TAZ - Zona Autônoma Temporária" de Hakim Bey, pseudônimo adotado pelo poeta, historiador anarquista, entre outras coisas, Peter Lamborn Wilson. Já resenhamos uma antologia de contos o tinha como um dos seus organizadores, Futuro Proibido. A obra compartilha do mesmo entusiasmo e temor com o início da proliferação da internet que o cyberpunks dos anos 1980, embalados pelo avanço do neo-liberalismo e a diminuição da participação do Estado nas decisões mundiais. Não há conceitualização clara do que é a TAZ, por suas palavras buscarem evitar um conceito engessador. A própria forma de exposição do conceito já é uma mensagem em si, ainda que o autor vá e volte nas linhas de raciocínio, tornando o livro, não apenas um manifesto, mas um pequeno mosaico. Como todos os livros de não-ficção do blog, é uma recomendação para quem gosta de pensar a Ficção Cientifica para além do mundo ficcional.
O autor começa abordando o conceito de "Utopias Piratas", referindo-se aos assentamentos - como ilhas escondidas no caribe ou salé/rabat no atual Marrocos - dos piratas e corsários do século XVIII que se ajudavam fora da esfera do Estado, como numa comunidade internacional e informal/criminosa. Hakim Bey cita a obra "Piratas de dados" (Ele se referia ao título original Islands in the Net/ "Ilhas na rede") de Bruce Sterling, como exemplo de zonas emergindo da ausência de força do Estado como conhecemos hoje. Ainda que as décadas seguintes não confirmassem essa visão, tanto o livro de Sterling como TAZ ajudam a visualizar essas zonas operando. No livro Utopias piratas: Mouros, Hereges e Renegados o autor aprofunda o caso de Salé/Rabat.
O autor chama os que contestam o Estado a sair da apatia que os faz aguardar por um evento de grande porte. Só então começa a tatear as rachaduras que podem ser exploradas longe do alcance do Estado. É ai que entra a TAZ como uma tática que emerge dessas falhas através de uma psicotopologia da vida cotidiana. Nisso consiste em "desviar" das instituições como a Família e o Trabalho e buscar formas onde não há hierarquia. Entra o conceito de "nomadismo psíquico", uma rejeição ao "modelo europeu", como conceito vial para aceitar a TAZ.
O autor é sereno ao afirmar que a internet é apenas uma ferramenta para a TAZ. "Ela vai fazer uso do computador porque o computador existe, mas também usará poderes tão completamente divorciados da alienação e da simulação que lhe garantirão um certo paleolitismo psíquico, um espírito xamânico primordial que vai 'infectar' até a própria net (o verdadeiro sentido do cyberpunk, como eu o entendo)." p.28. Havia uma perspectiva, nos anos 1980, que espaços autônomos emergissem pela internet para desafiar ou esvaziar o Estado de seu poder, como no mundo ficcional de Sterling de Piratas de dados. Porém os eventos pós-11/09 nos EUA, mostraram todo o poder do Estado sobre a internet.
Como a TAZ não é dependente da internet, o autor vai ao período colonial buscar protótipos de TAZ.As relações de poder entre as potências nas colônias, levaram muitos a fugir do mapa conhecido e buscar zonas não-cartografadas, áreas de escape, não apenas físicas mas das instituições do Estado. O autor também busca na efêmera República de Fiume como o exemplo mais recente de TAZ. Bey delimita a TAZ como uma tática do desaparecimento como forma de exercer a liberdade, e não apenas lutar para alcançá-la.
Por fim, são mencionados alguns pequenos "gestos negativos" como exemplos que nos aproximam da TAZ, como não votar. Outros são tateados e abrangem o trabalho, a igreja, a família, o lar e da arte e termina o texto indicando caminhos internos para nos aproximarmos dessa tática.
Sobre a edição lida para a resenha: A obra é curta, mas carregada de conceitos não esmiuçados, pois não se trata de um trabalho acadêmico e sim um manifesto. Uma carta de intenções da TAZ e não uma radiografia da mesma. Conclama a ação e não a sua contemplação e para isso se agarra ao seu momento histórico, da internet florescendo e da rebeldia do movimento cyberpunk.
site: http://wilburdcontos.blogspot.com.br/2017/01/resenha-60-taz-zona-autonoma-temporaria.html