L. Gabriel 30/05/2023
"É horrível este rum. Não faz mal, me dá outro copo".
É indubitável quão marcante foi a obra de Sartre para a filosofia e para a literatura da França e do mundo, e este romance é um exemplo perfeito do porquê.
A estória acompanha Mathieu, um professor de filosofia, ao longo de três dias em que precisa arranjar dinheiro suficiente para pagar o aborto da gravidez indesejada de sua namorada. Porém, dividido entre ela e o amor que imagina sentir pela sua amante, sua ex-aluna Ivich, adentra cada vez mais em uma angústia levada pela incerteza de como agir não só em relação ao bebê, mas também aos relacionamentos com as outras pessoas ao seu redor. Um exemplo é o seu colega Daniel (autor da fala que usei para titular o texto), atormentado pela não aceitação de certos traços da própria personalidade, o que fortalece seu comportamento dissimulado e irritadiço em relação a tudo e todos, por vezes trazendo repulsa a Mathieu (e ao leitor) por suas atitudes, mas ao mesmo tempo sendo solícito quando lhe convém. No meio disso, Mathieu também sente culpa pela sua aparente inércia diante da Guerra Civil Espanhola, cuja realidade chega constantemente ao seu conhecimento de uma maneira ou de outra.
Sartre apresenta cuidadosamente seus personagens, evitando trechos expositivos e deixando que compreendamos suas nuances e conexões ao decorrer da leitura. Mesmo com o foco maior da estória em Mathieu, conhecemos os pontos de vista e os conflitos de cada personagem, e como buscam preencher a realidade deprimente em que vivem de maneiras variadas, enquanto precisam tomar decisões sobre as próprias atitudes. Em alguns momentos, Sartre detalha bastante cenas lentas do livro, enquanto em outros, cita de maneira rápida uma passagem de um lugar para outro ou deixa bastante nas entrelinhas como funciona a relação entre certos personagens, o que pode trazer um pouco de confusão a um leitor desatento aos pormenores da escrita. No mais, este romance ilustra bem as características da filosofia existencialista e como as atitudes do indivíduo definem o seu ser.