janíssima 16/09/2018Um homem branco como porta-voz da descriminalização da prostituiçãoO autor se coloca descrente do amor romântico e condena a monogamia possessiva. Ele aceita tranquilamente a transição do seu namoro de longa data para amizade enquanto ainda mora na mesma casa que a ex e não se mostra ciumento quanto ao novo namorado dela, que passa a frequentar a casa.
Na dificuldade de se relacionar com outras mulheres, na inabilidade social que ele mesmo declara possuir, ele recorre à prostituição para suprir seu desejo sexual. Em seguida, ele se torna um ferrenho apoiador da descriminalização da prostituição, e faz um quadrinho autobiográfico sobre isso que inclui também um apêndice textual de quase 100 páginas para convencer o leitor, refutando diversos argumentos, um a um.
Essa defesa da descriminalização da prostituição feita por um homem que usufrui da profissão como um cliente... não me desce. Para ele, a prostituição é uma via de escape à sua incapacidade de se relacionar com pessoas do sexo oposto: pagar por sexo é muito mais simples do que se debruçar nas preliminares dele. Afinal, o sexo começa no "oi", e ele é desengonçado demais para dizer esse "oi". Naturalmente que ele vai defender seu direito de usufruir de algo que ele quer. Fosse o livro escrito por Denise, por Anne, por Jenna, as profissionais do sexo que ele frequenta, quem realmente atua na profissão, era outra história.
Ele decide omitir questões pessoas da prostitutas para não entregar suas identidades, e essa é uma grande perda do quadrinho. Quem são essas mulheres? O que elas fazem fora dali? Elas têm família? Filhos? Namoram? Quais são seus sonhos? Senti muito desejo de saber mais sobre elas, e tenho certeza de que mais poderia ter sido oferecido pelo autor sem entregar suas identidades. Mas ele só quer apresentar provas pro seu argumento. (Prostitutas são bem tratadas / Trabalham porque querem / Não estão sujeitas a riscos inerentes à profissão...)
A preferência exclusiva desse homem branco e heterossexual por mulheres jovens e magras também é difícil de engolir. Ele não quis apresentar a raça das mulheres, e desenhou todas como brancas, mas eu gostaria de saber se alguma era negra. Ele questiona amplamente a ilegalização da prostituição e o ideal de amor romântico, assuntos que lhe interessam diretamente, mas repensar o padrão de beleza, repensar seu interesse exclusivo pelo estereótipo da mulher ideal, não lhe convém. Afinal, ele está pagando, ele tem o direito de pensar só no que lhe dá vantagem. Então, se a mulher é gorda, feia, ou parece ter trinta anos (sendo que ele beira os quarenta), ele inventa uma desculpa e se retira educadamente.
Chester Brown se coloca como porta-voz na defesa da descriminalização da prostituição, mas deveria ficar bem calado porque não é o lugar de fala dele. Que as profissionais do sexo contem suas próprias versões!