Ericona 02/01/2015
Um bom livro
O primeiro contato que eu tive com a escrita de Anne Tyler foi através do livro O Começo do Adeus, publicado pela Editora Novo Conceito em 2012. O Começo do Adeus é um livro de ficção com enfoque no drama. O livro é narrado em primeira pessoa. É Aaron quem conta a sua estória, a de sua esposa e de seus amigos. Aaron é um homem próximo da meia-idade, sócio em uma editora independente que trabalha com a publicação de séries de livros que tratam de assuntos para iniciantes, com o intuito de auxiliá-los a lidarem com temas que não lhes são familiares. Uma espécie de séries de livros que proporciona ao leitor uma iniciação em temáticas que lhes despertam seu interesse, seja por necessidade ou pura curiosidade.
Aaron tem uma deficiência no braço e na perna direita, não que esse seja um detalhe que represente a totalidade da personalidade ou da pessoa de Aaron, mas ajuda a entender um pouco do seu comportamento e temperamento. Depois de ter lido a sinopse, estava curiosa para saber como Aaron lidava com a sua deficiência. Creio que os meus leitores antigos se lembrem de que eu também sou deficiente, então, mesmo que o assunto deficiência seja familiar pra mim, gosto de ver como a deficiência vem sendo apresentada, não só em livros, como também em filmes.
Eu poderia discorrer sobre a minha concepção de que é preciso que haja urgentemente e largamente uma desconstrução dos tabus ao redor do tema deficiência, como, por exemplo, essa mania extrema que a maioria tem de enxergar o deficiente: ou como tipo de herói, porque ele consegue lidar bem com a deficiência e viver da forma mais plena possível, ou, como coitado, porque “ah, meu Deus, deve ser terrível ser deficiente!”, sussurra uma parcela dos ditos “normais”. Sobre a questão de “deficiente não é coitado nem herói”, quero pedir que assistam esse vídeo aqui. Stella Young diz muito bem sobre o sentimento de ser deficiente diante de uma sociedade que prega o encaixe nos padrões vigentes. Em síntese, o que ela diz – e eu concordo inteiramente – é que o problema não é, nem nunca foi, a deficiência, mas sim a falta de acessibilidade e de conhecimento por parte da sociedade sobre o que realmente é a deficiência. Em sua fala, ela coloca, muito sabiamente, que um deficiente apenas faz com que o seu corpo, pouco ou muito limitado, trabalhe na sua máxima potência, executando as tarefas diárias e desenvolvendo habilidades para dar sentido à sua existência, como qualquer outra pessoa no mundo.
Realmente, me empolgo quando o assunto é deficiência, pois sinto comichões ao ser tratada de uma maneira estranhamente especial ou com uma admiração acima do normal apenas pelo fato de ter uma deficiência. E é esse o sentimento de Aaron em relação à própria deficiência e ao modo como algumas pessoas o tratam. Ao contrário de mim, que sempre fui tratada com normalidade e apenas com os cuidados comuns por parte da minha família, os familiares de Aaron, sobretudo a sua mãe e irmã, lidavam com ele com cautela, com uma superproteção que o fazia se sentir uma espécie de vaso de porcelana, que poderia se quebrar a qualquer momento. Eu entendo, mesmo, que talvez a sua mãe e a sua irmã apenas o amassem demais e tivessem receio de que ele se machucasse, no entanto esse comportamento só sufocava Aaron e o fez se tornar um adulto arredio e desconfiado dos tratos que recebia ao longo da vida.
Quando conheceu Dorothy, uma médica excêntrica, que o tratou com a normalidade e naturalidade que ele sempre esperou de um desconhecido, ele se encantou por ela. Namoraram, casaram, mas não puderam viver muitos anos juntos porque, certo dia, uma árvore pesada e muito grande resolve cair no solário, onde Dorothy repousava, depois de um pequeno e bobo desentendimento com Aaron, e ela morre. Não estou contando algo de secreto, porque isso já figura na sinopse.
Depois disso, Aaron passa a se sentir sozinho e muito melancólico, perdido, sem Dorothy. Diante de tudo o que aconteceu, do choque, do trauma que foi perder a esposa inesperadamente, conscientemente ou inconscientemente, ele faz uma retrospectiva da própria vida, iniciando pela infância, passando pela fase da adolescência, até chegar a idade adulta. Podemos acompanhar o amadurecimento do personagem, que largou certos medos e se impôs ante a vida. Anne Tyler desenvolveu Aaron com muito tato e detalhes. É possível visualizá-lo com facilidade.
O relacionamento de Aaron e Dorothy deveria ter sido mais aprofundado, para que não causasse uma confusão e até mesmo buracos na trama. Sinceramente, fora o fato de Aaron se sentir bem ao lado de Dorothy por ela não o tratar como alguém fora de série ou como um coitado, não me foi possível enxergar o que mais os unia. As aparições dela foram muito mais agradáveis do que os relatos contados por Aaron. Em vida, Dorothy não havia sido alguém capaz de provocar amores ou grandes empatias. Pelo menos, não em mim. Já no estado pós-morte, ela se mostrou mais amável e sensível. Contudo, acreditar na veracidade da Dorothy pós-morte ou compreendê-la como uma criação de Aaron, uma reinvenção de Dorothy mais aprazível a ele, fica a critério do leitor.
Os personagens secundários são trabalhados de maneira razoável. Uma que eu destaco é Peggy, sempre solícita e doce não só com Aaron, mas com todos os seu redor. Cativou-me sem esforço e eu me perguntei. ao longo da leitura, por que Aaron não enxergava o quanto que ela era uma pessoa adorável. Quer dizer, entendia em parte. Em minha visão, o fechamento do livro e encaminhamento dos personagens se deu de forma apressada, mas crível. Classifiquei O Começo do Adeus com três estrelas, porque, em razão da ausência de um maior aprofundamento em algumas questões, só posso dizer que é um bom livro.
Anne Tyler não escreve de modo intricado. A sua escrita é fluida e a leitura se dá de maneira tranquila. No entanto, não foi uma experiência que se possa dizer maravilhosa. Espero ler outra obra de Anne que, ao fim, eu possa exclamar: “Bem, agora, sim, fui arrebatada por essa escritora!”.
O livro é indicado para quem gosta de estórias comuns, mas com personagens com um diferencial dentro do crível, que se apresentam sob a forma de assuntos dramáticos e reflexivos.
site: http://ericaferro.blogspot.com.br/2015/01/resenha-o-comeco-do-adeus-anne-tyler.html