Andreia Santana 17/02/2019
O livro irregular de um autor brilhante
Noah Gordon é um autor sinestésico. Daqueles capazes de desenhar as cenas na mente do leitor com suas palavras, que fluem em uma leitura que desliza macia e avança centenas de páginas sem que a gente se dê conta. Um pouco dessa capacidade de Gordon, exímio contador de histórias, está presente em O Diamante de Jerusalém., mas a obra não tem a mesma cadência de O Físico, por exemplo, livro mais famoso do autor e um dos melhores de sua extensa bibliografia.
O Diamante de Jerusalém conta a história de Harry Hopeman, um rico comerciante de diamantes de Nova York, que precisa viajar para Israel para comprar um valioso e raro diamante amarelo que teria pertencido ao tesouro do Templo de Jerusalém e foi escondido por sacerdotes, na antiguidade, quando a cidade estava em vias de ser invadida.
A pedra, na Idade Média, passa a pertencer à Igreja Católica e adorna a mitra de um papa. Antes, ela chega às mãos de antepassados de Harry Hopeman, que é filho de um joalheiro alemão que fugiu do nazismo durante a II Guerra.
A trama alterna diversos tempos históricos, mostrando a jornada do diamante e dos homens da família de Harry Hopeman pelos séculos. Mas, apesar da narrativa não linear e da enorme quantidade de informação sobre o universo das pedras preciosas, com descrições detalhadas do processo de lapidação, o livro é irregular.
Tem trechos muitos bons, como aqueles passados durante a Inquisição e a expulsão dos judeus da Espanha e Itália - tema aliás que Noah Gordon desenvolve com maestria em O último Judeu -; e outros trechos muito tediosos, como aqueles passados na Jerusalém contemporânea, onde o protagonista começa a namorar uma curadora de museu viúva de um oficial do exército israelense.
O romance entre os dois é chato e o protagonista é insosso e sem carisma. Tamar, a curadora do museu, também carece de espaço para crescer. Ela teria uma história dramática a ser desenvolvida, mas que o autor apenas arranha, sem aprofundar.
Falta à personagem aquela consistência que faria o leitor ter empatia por ela. A sensação é de que se ela não estivesse na história não faria tanta diferença e que foi colocada no livro apenas para somar cenas de sexo no calor escaldante do Oriente Médio à história mal costurada e até mesmo meio preguiçosa.
Senti falta de uma liga mais consistente entre os tempos históricos e entre as histórias dos homens da família Hopeman. A sensação que tive é de que o autor se sai melhor quando foca em um único período, sem os vai e vens de uma narrativa não linear.
Existe uma tentativa de transformar a trama em um livro de espionagem, com pitadas de mistério, pois além do diamante, outros tesouros judaicos foram enterrados em locais diferentes pelos sacerdotes do templo. Harry Hopeman é fascinado por história e quer descobrir onde estão essas ‘joias’ que vão além de ouro e pedras preciosas e contemplam textos sagrados e símbolos do Judaísmo, mas a ideia da caça ao tesouro também não engrena. Assim como igualmente naufraga a conspiração em torno dos candidatos a comprar de um atravessador o famoso diamante amarelo.
Ao final do livro, fiquei com a impressão de que essa obra de Gordon se perdeu nas subtramas e ficou só na promessa. Dá a impressão de um livro escrito às pressas, apenas para cumprir contrato de editora, tal qual os discos mornos de bandas geniais, que só servem para honrar o cronograma de lançamentos da gravadora.
No ranking da vasta produção de Noah Gordon - ao menos das obras que já li dele - esse é, sem dúvida, o livro menos interessante. O Diamante de Jerusalém é uma leitura mediana, que serve para somar páginas à meta de zerar a bibliografia de Gordon - para quem gosta de ler todos os livros de um autor -, mas não conquista, nem é inesquecível.
Um trecho da obra:
“Perto da banca onde o dr. Silberstein comprava seu jornal em ídiche, jovens com camisas pardas começaram a vender um semanário antissemita, O Ataque. Eles se denominavam Tropa de Assalto, Sturmabteilung, e intimidavam as pessoas, mas seu partido recebera poucos votos nas últimas eleições. — Só doze cadeiras na câmara — exultava o dr. Silberstein. — Eles conseguiram apenas doze cadeiras num Reichstag com mais de quinhentos membros.
— Afinal — lembrou Alfred — este é o país que deu a Albert Einstein o cargo de diretor dos Institutos Kaiser Wilhelm.
— E também o país... — o dr. Silberstein moveu o bispo para comer um peão — ... onde cidadãos esperam na frente do escritório de Einstein, na Academia Prussiana de Ciências, e do seu apartamento na Haberlandstrasse, para cobri-lo de lixo, porque Einstein é judeu”.
(O diamante de Jerusalém, Noah Gordon, Editora Rocco, pág 82)
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