Manuella_3 08/08/2016
“deixaram de existir, mas o existido continua a doer eternamente” (Drummond)
As luzes e o charme de NY aproximam e afastam corações. Olhares que se encontram, olhares que se despedem. Este é o cenário do novo livro do autor português Tiago Rebelo, Uma noite em Nova York (Leya, 184 páginas), um romance que contempla as várias facetas dos relacionamentos amorosos, seus altos e baixos entre a conquista, os dias de encantamento e a dor. Personagens corajosos se aventuram na paixão, sentimento que antecede o amor, anestesia os sentidos, um salto no escuro que faz esquecer o recado na música de Lulu: “só que dessa história ninguém sabe o fim.”
Filipe está sozinho no bar do hotel em NY, comemorando cinqüenta anos e o sucesso como escritor. Entre doses de uísque e cigarros, aprecia a bela visão da cidade, relembrando seu grande amor Isabel, que nunca conseguiu esquecer. Uma vez combinaram um encontro na Big Apple caso suas vidas não seguissem bem. E o dia é hoje. Será que Isabel vai cumprir a promessa de rever Filipe anos depois do fim do relacionamento cheio de paixão, mas que não vingou?
“Pensou em Isabel. Um dia, já lá iam oito anos – o tempo corria, o tempo curava, dizia-se, apaziguava a angústia dos momentos dolorosos, mas, sabia-o pela sua própria fatalidade, não corrigia os erros de uma vida.”
A bem sucedida jornalista Catarina está em Nova Iorque para uma importante decisão: deixar o casamento morno com Ricardo e investir no inconstante músico de sucesso Jonas. Permanecer numa relação estável, aparentemente segura, mas sem o verniz apaixonado dos começos ou se jogar no abismo de uma louca paixão é o dilema. Jonas é egocêntrico e irresponsável, tem a má fama de usar as pessoas, mas corteja insistentemente Catarina, irresistível e sedutor. E ela não consegue mais parar de pensar nele.
“Os desgostos de amor nunca têm consolo possível – disse ele. – Ricardo não vai se sentir melhor se você demorar quinze dias ou um mês para explicar que vai deixá-lo. Diga-lhe e pronto. De qualquer modo, ele nunca vai te perdoar.” (Jonas para Catarina)
Isabel é batalhadora, cria a filha sozinha depois do fracassado casamento com Rui, que começou bem, mas caiu numa linearidade tão sem graça que rendeu bem mais desilusões que alegrias. Ela quer muito da vida, é corajosa e paga o preço da solidão momentânea.
“Os nossos sentimentos pela pessoa que amamos são sempre egoístas porque só tratam da nossa felicidade, mesmo se lhe oferecemos incondicionalmente o nosso mundo inteiro e vivemos para ela enquanto estamos apaixonados; um dia, se deixamos de sentir esse amor, se deixamos de precisar dela, nesse exato instante partimos com pressa e sem olhar para trás. Partimos sem dor – sem a nossa dor, pelo menos -, como se não houvesse uma história, como se não lhe tivéssemos jurado o nosso amor, como se nunca tivéssemos precisado dela realmente (...).”
Tiago Rebelo cria personagens reais, como eu ou você e muitas pessoas que conhecemos. São histórias de paixões que incendiaram camas e morreram na ressaca da rotina. São encontros que se interpõem em relações supostamente estáveis, mas que acabam ruindo. São amores investidos numa demorada e dedicada construção, mas que nem assim garantem finais felizes. Como o samba diz: “Tratei de aliviar a minha dor. Fim de romance, só resta uma saída: é sepultar o que morreu.”
O livro desperta muitos sentimentos e lembranças, especialmente para os mais experientes no quesito amor. Pode parecer monótono e sem a vertigem que muitos preferem nas leituras de impacto. Aqui o impacto é olhar para essas relações e encontrar muitos indícios do que somos, fomos, vivemos ontem e agora. Pode mesmo suscitar uma parada estratégica para revisitar as dores (re)colhidas pela vida, as paixões avassaladoras, o fel dos rompimentos. Os personagens se revezam no texto, cada um fazendo escolhas e arcando com o ônus de cada passo (bem ou mal) dado, convergindo para um final que os entrelaça. É assim que aprendemos a viver, nas palavras de Drummond: “amar se aprende amando”.
Há um tom de melancolia na escrita, algo entre a saudade e a desilusão que sentimos quando investimos numa relação e ela chega ao fim. O gosto amargo que a experiência (de vida) e os conselhos dos amigos garantem que vai passar. Passa, sabemos, mas nem por isso deixa de doer, de corroer. A separação pede um tempo para o luto, para o afastamento, a fim de superar cada etapa do doloroso processo. Há a fase do choro, de se perguntar (mil vezes) por quê. A fase da raiva, do exorcismo do sentimento. Mais uma vez sou salva por Drummond, que tão bem traduz os amantes: “deixaram de existir, mas o existido continua a doer eternamente.” Há, por fim, a fase do recomeço, com o coração devidamente cicatrizado e pronto para abrir-se para outro amor. Um lembrete de esperança fecha a narrativa após tantas páginas de desencontros. É aquela sensação (depois da cura) de que tudo vai dar certo, é só tentar outra vez.
(Citadas na resenha as músicas: ‘Toda Forma de Amor’, de Lulu Santos; ‘Fim de romance’, de Teresa Cristina. Poema ‘Destruição’, de Carlos Drummond de Andrade).
Publicada no blog: http://www.lerparadivertir.com/2014/10/uma-noite-em-nova-york-tiago-rebelo.html