HigorM 08/08/2020
'Lendo Pulitzer': sobre o patriotismo americano, e como os demais países são inferiores
O Prêmio Pulitzer de Ficção tem como objetivo laurear a melhor história escrita por um americano e que, de preferência, aborde a vida americana, o que faz com que histórias muito interessantes de americanos com alguma descendência ganhem a luz do dia, onde o choque entre duas culturas totalmente distintas são abordadas à excelência, ou ao menos com precisão. Temos como exemplos o paquistanês-americano Daniyal Mueenuddin com seu ótimo 'Em outros quartos, outras surpresas', o vietnamita-americano Viet Thanh Nguyen e seu difícil mas necessário 'O simpatizante', e o americano com descendência judia Nathan Englander com o desconfortável 'Do que a gente fala quando fala de Anne Frank'.
Porém, enquanto os livros acima cumprem seu papel de apresentar o impacto sócio-político-econômico-cultural que tal miscigenação impacta não somente, mas principalmente aos Estados Unidos, existem outros livros que são, aparentemente, apenas para encher o ego e o patriotismo americano para os nativos, mas que não agregam, sinceramente, nada para o país e nem para o leitor estrangeiro – de fato, serve para aumentar o patriotismo de leitores americanos.
'Jun Do', infelizmente, é um destes livros que, embora com críticas sociais esporádicas, pincela um Estados Unidos estereotipado aos olhos estrangeiros, mas com a mensagem clara e prática de que, mesmo que não conheçamos o país de fato, ou temos a impressão errada, ele ainda é o melhor país do mundo. Exemplos de livros ganhadores e finalistas do Pulitzer que passam a mesma mensagem são bem fáceis de elencar: 'The Underground Railroad: Os Caminhos Para a Liberdade', com sua história redondinha e didática sobre escravidão e 'Toda luz que não podemos ver', de Anthony Doerr sobre a Segunda Guerra Mundial e a participação fundamental e decisiva dos Estados Unidos para colocar um basta em tudo.
A história de 'Jun Do', péssima escolha para 'The Orphan Master's Son' algo que, traduzido livremente e com sentido seria 'O filho do diretor do orfanato', tem um plot incrível, mas com uma execução um tanto frustrante: uma história ambientada na desconhecida, polêmica e intrigante Coréia do Norte. O próprio autor conversou com refugiados do regime ditatorial, também conhecido como governo mais inflexível do país mais fechado do mundo, além de ter viajado uma vez para conhecer o local e, assim, criar a história de maneira convincente. Um livro que nasceu, se não para abocanhar todos os prêmios possíveis, ao menos para vender rios de exemplares, dadas as circunstancias e curiosidades com o assunto.
O livro, surpreendentemente, é narrado por um prisma pouco interessante e que torna o livro deveras cansativo. Ultrapassar a primeira parte, "A história de Jun Do" é uma tarefa árdua. O protagonista é apático, sem sentimentos e com uma frieza ou indiferença tão desconcertantes, que o leitor não sente a menor empatia pelo mesmo. O pouco que faz com que a leitura continua é, de fato, conhecer mais sobre a Coreia do Norte.
A segunda e última parte, "As confissões do Comandante" dão inicialmente um alívio para a história engessada, mas logo volta a ser a mesma coisa, e o leitor, enfadado, cansado, não vê a hora de o livro acabar. A explicação para várias situações do livro, não convencem. Apenas são e prossiga e leitura, mas deixam o leitor com uma pulga atrás da orelha. Tudo bem que o líder do país, o falecido Kim Jong-il, é uma figura opressora e nada do que ele decide é questionado, mas ainda assim, o desconforto fica.
Outro ponto está no subtítulo da edição brasileira: uma saga de amor, esperança e redenção. Ao longo das mais de 500 páginas o leitor vai encontrar de tudo, menos amor, esperança e redenção. Não vai encontrar também as possibilidades que a sinopse sugere. Talvez seja justamente pela maneira como foi tratado que o livro não funcionou. Capinha bonita de romance proibido a ser vencido com um cenário que em nenhum momento sequer aparece um similar na história, quando, na verdade, e inclusive no exterior, o livro é vendido com uma capa em ambientação de guerra, cenários navais e até mesmo de tortura, o que combina muito mais com o livro.
Uma capa mais coerente salvaria ou melhoraria a história? Não, mas ao menos não seria vendido como algo que está longe de ser, preparando o leitor para uma ambientação, contexto e coisa do tipo totalmente diferente do que um amor que sequer existe, ou foi imposto, mas que, sabemos, não é puro ou verdadeiro.
Além de personagem apático, casal forçado e trama engessada, o autor, Adam Johnson cumpre seu papel em engrandecer os Estados Unidos diante da Coreia do Norte, mesmo que com pitadas de humor negro e críticas ante a diferença entre os países socialista e capitalista. Uma sátira que é bem nítido se tratar de uma demonstração de patriotismo.
Uma história com muito potencial, 'Jun Do' é um livro com muitos problemas ao longo de sua execução. Uma propaganda descarada de como a Coreia do Norte é equivocada e como os Estados Unidos funcionam muito bem, obrigado, mesmo com todos os seus problemas sociais, o que salva o livro são as curiosidades do país oriental, mas ainda assim, 500 páginas não compensam todo o esforço.
Este livro faz parte do projeto 'Lendo Pulitzer'. Mais em:
site: leiturasedesafios.blogspot.com