Aline T.K.M. | @aline_tkm 12/05/2014A dor como força motrizRetratando – de maneira romanceada – duas figuras históricas da música clássica, Sainte Colombe e Marin Marais, Todas as manhãs do mundo aborda a delicada relação entre mestre e discípulo.
Século 17. O ano é 1650: época de Luís XIV, das perucas elaboradas e do excesso de pompa. O senhor de Sainte Colombe, viúvo e exímio tocador de viola da gamba (nome italiano que significa “viola de perna”), leva uma vida austera no campo ao lado das duas filhas. De poucas palavras, tem dificuldade em expressar seus sentimentos e frequentemente é tomado por crises explosivas de cólera. Para ele, a música “de verdade” só é possível se tiver como base a dor e o sofrimento; desta maneira, abomina a música feita para o entretenimento do rei, bem como os próprios músicos da corte.
O jovem Marin Marais é o extremo oposto disso. Ligado à Corte, alguns reveses fazem com que o jovem e talentoso músico busque Sainte Colombe e lhe peça que o aceite como discípulo. O reconhecimento que têm os músicos do rei lhe agrada, fazendo com que não seja bem recebido logo de sua primeira visita àquele que viria a se tornar seu mestre.
Realidade e ficção se misturam em um romance que tem na música um importante pano de fundo para a relação entre os dois músicos, o verdadeiro centro de toda a trama. O reduzido número de páginas revela uma história pautada no sofrimento e nas variadas dimensões do amor. Longe da superficialidade, os personagens são densos e carregam dores complexas, cada qual a sua maneira.
Ainda que coadjuvantes, as filhas de Sainte Colombe exercem papel importante ao longo da trama. Inclusive, envolvendo o jovem Marin Marais – que também na vida real foi discípulo de Sainte Colombe. Uma das personagens mais interessantes, Madeleine (a filha mais velha) nos mostra como podem ser devastadoras as consequências de um amor intenso acompanhado da desilusão.
A fluidez da narrativa – preocupada em situar o leitor, mas sem ser excessivamente descritiva – faz com que nos concentremos, sobretudo, nos sentimentos dos personagens. Sentimentos que também são experimentados pelo leitor: impossível não compartilhar da emoção, e também da frustração, que caracterizam os “encontros” de Sainte Colombe com a esposa falecida.
Todas as manhãs do mundo fala de maturidade e de solidão, de arrependimento e também de amor. E mostra a dor como a grande força motriz de tudo.
LEIA PORQUE...
Traz personagens reais, embora a trama seja romanceada. Além disso, é interessante ver como a música – com todo o seu aspecto intangível – nos é mostrada ao longo das páginas, ganhando cor e forma impensáveis.
DA EXPERIÊNCIA...
Ainda que não seja um livro de interesse universal, vale a pena pela beleza e sensibilidade da trama.
Em tempo: recomendo que assistam à adaptação, que leva o mesmo nome do livro e tem direção de Alain Corneau. Depardieu pai e filho interpretam Marin Marais em diferentes momentos da vida.
FEZ PENSAR EM...
Como discutido na aula de francês, é possível traçar um paralelo bastante interessante entre alguns momentos da trama e o mito de Orfeu e Eurídice – prestem atenção em Sainte Colombe e seus pequenos rituais em busca da esposa.
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