HigorM 19/08/2020
'Coleção Novíssimos': sobre leituras ocas
Para compor seu romance de estreia e ajudá-lo a contar a história de 'No meu peito não cabem pássaros', Nuno Carmaneiro traz nada menos que três escritores da literatura universal: Borges, Kafka e Fernando Pessoa. Se Borges e Pessoa foram de fácil descoberta, por serem ambientados respectivamente em Buenos Aires - ou Sueson Birea ou Eusson Birea ou Eusaon Bires ou.... - Lisboa, suas cidades-natal e os personagens serem crianças, onde conhecemos suas vidas desde o começo, o mesmo não se pode falar de Kafka, que aqui é apresentado como um imigrante nos EUA, em plenos arranha-céus de Nova Iorque.
Os três escritores estão ligados, ao menos no livro, por um único elo: o cometa Halley e sua aparição assombrosa em 1910. Tal acontecimento gerou pânico na população mundial, que acreditou ser o final do mundo, que todos iriam morrer e que, por conta disso, passaram a tomar atitudes drásticas, como locais para se esconder, suicídio e etc.
Nossos personagens, no entanto, vêem o fenômeno com fascínio, se é que se importam com isso. Kafka é um limpador de vidros de arranha-céus que, após um experimento com eletricidade, sofre sequelas irreversíveis; Borges é uma criança super imaginativa, o que causa estranheza na família, e Pessoa volta de Durban, África do Sul, para passar as férias em Lisboa, com sua irmã.
A grande impressão do livro é que o autor tinha absolutamente tudo para fazer um livro incrível, e não fez. Ele tinha um acontecimento histórico importante, em um período idem, para os três países abordados, além de narrar a vida de três grandes nomes da literatura, mas ao longo das 192 páginas não acontece absolutamente nada de relevante. Em todas as páginas o que se lê poesia, mas os personagens, com exceção de Kafka, talvez, não fazem nada.
Faltou pesquisa: do contexto histórico, biográfico dos autores, do cometa até, que é sequer mencionado com exatidão. Eu li o livro em um dia, e ao final, eu o fechei, encarei por vários minutos e me questionei o que eu havia lido, o que havia tirado de bom, de conhecimento, de novo a partir daquela leitura, e o vazio que senti foi pior que o da própria leitura.
Dito pelo autor como uma amostra de como a literatura e o ato de escrever salva as pessoas do caos, 'No meu peito não cabem pássaros' erra por ser oco, vazio, sem algo, mesmo que sucinto a agregar ao leitor. Os autores, em momento algum sequer escrevem algo, dão mostras de estarem fazendo esboços do que seriam seus primeiros livros.
A 'Coleção Novíssimos' tem a intenção de, em 10 livros, reunir importantes nomes da nova Literatura Portuguesa. Para saber mais sobre os outros livros, acesse:
site: leiturasedesafios.blogspot.com