chrisferreoli 15/03/2021
Para deixar o mundo mais bonito
"Bilhões e bilhões" reúne dezenove textos escritos por Carl Sagan, cada qual contando com discussões das mais diversas, indo de curiosidades científicas a reflexões críticas sobre fenômenos ambientais, culturais, sociopolíticos e econômicos. Nesse livro, Sagan segue realizando seu fundamental papel como extraordinário divulgador científico, transformando a ciência dura, inacessível e abstrata à vasta parcela dos indivíduos, em um universo belo e palpável com o qual podemos nos identificar e posicionar. Nesse processo, o autor nos orienta para fazer sentido do conhecimento, o que por si só é uma característica fantástica – afinal, a mesma ferramenta do saber pode ser (e é) usada também para segregar.
Os textos são de leitura rápida e fácil, em média contando com umas dez páginas cada. Boa parte do livro é dedicada à exposição da problemática do impacto da produção humana na Terra, o que claramente é, para Sagan e para nós que habitamos aqui no agora, o maior desafio civilizatório das próximas décadas. Sagan ilustra didaticamente como diversos fenômenos (a exemplo do aquecimento global, perda da camada de ozônio, holocausto nuclear etc) não se tratam de conjecturas científicas, mas de realidades observáveis e que exigem soluções urgentes. No âmbito do aquecimento global e de discussões sociais que o autor engendra, tenho uma pequena e pontual crítica que tange a assumpção de responsabilidade sobre os problemas tratados: Sagan em alguns momentos diz que não existe um ou outro culpado, e que assim a origem do distúrbio seria de autoria compartilhada. Em meu ponto de vista, mesmo que todos tenham sua dose de culpa, é inegável que existe um profundo desequilíbrio na distribuição desse volume – por outro lado, também entendo que para os propósitos do livro (que heroicamente tenta nos mobilizar no sentido da ação coletiva), pouco convém entrar nos “pormenores” ideológicos e políticos do problema. Está aí e todos precisamos fazer algo agora!
Independentemente, a soma dos textos constrói um conteúdo vital que é necessário conhecer e, para os leitores já relativamente familiarizados com partes dos temas, relembrar para reforçar. As páginas dedicadas ao paradoxo da corrida armamentista nuclear no século XX e sua contraposição a própria existência humana podem parecer desatualizadas, já que cronologicamente distantes em mais de duas décadas, mas prevalecem atuais haja vista o aumento da violência e radicalismo a nível internacional nos últimos anos. Assim, não há dúvidas de que sua perspectiva otimista e altruísta, sua retórica de união, não perdem o valor.
É perene o espírito lúcido e solidário de Sagan, que escreve de maneira muito bela sobre o que é, no fim das contas, nossa própria existência. Nesse sentido, creio que as últimas páginas, redigidas em seus últimos momentos, assim como o epílogo da escritora e viúva de Sagan, Ann Druyan, sejam de uma beleza excepcional. Infelizmente não temos Sagan conosco para ajudar na compreensão das dimensões da revolução vigente, a da informação, e que por hora se apresenta a nós como um abismo escuro e misterioso. De todo modo, em “Bilhões e bilhões”, “Cosmos” e em outros de seus livros; nos ecos de sua voz nas memórias de milhões de pessoas ansiosas por conhecer o que foi, é e será; nos momentos de apreensão perante o desconhecido; nas diversas escalas das lutas diárias em prol de um mundo mais justo, Carl Sagan segue vivo.