Emme, o Fernando 10/06/2018O original"Tal como os anos passam e se repetem, assim os acontecimentos se sucedem nos ciclos do tempo, Quais serão as próximas aventuras da Pedra da Lua? Quem poderá sabê-lo?"
Esse romance de folhetim narra o roubo da Pedra da Lua na Índia, sua vinda à Inglaterra e os acontecimentos que se sucedem, o esforço de alguns para mantê-la, e o empenho de outros para obtê-la.
O romance segue a estrutura do folhetim do realismo inglês: a narrativa se altera muitas vezes, há quase sempre um certo tom bastante melodramático.
O que mais chama atenção do leitor são as óbvias influências sobre o autor, Wilkie Collins, e o modo como a obra se torna uma grande (se não a maior) influência sobre a chamada literatura policial que se seguiu.
A primeira grande narrativa é feita por Gabriel Betteredge, chefe da criadagem em casa de Lady Verinder. Essa primeira parte ocupa umas duzentas páginas e lembrou-me sem dúvida Tristram Shandy, pelo modo tortuoso, pelo falta de objetividade, pelas impressões absolutamente equivocadas do narrador... Betteredge e seu apego por Robinson Crusoe se tornam inesquecíveis durante a leitura dessa obra.
E daí seguem-se outras narrativas, feitas por outros personagens, que volta a aparecer ou não.
Algo que eu sempre ouvi a respeito desse livro, e segundo alguns leitores vem de uma opinião do próprio Charles Dickens, é que essa seria uma narrativa muito longa, cansativa.
Depois de ler eu considero absolutamente inapropriada essa opinião (eu demorei a terminar de lê-lo, pois fui vítima de um atropelamento durante a leitura e não por ser longo ou cansativo).
O romance em nenhum momento é cansativo ou longo demais. Pelo contrário, para um romance folhetinesco do século XIX, ele nem é dos maiores. Parece-me estranho Charles Dickens, que escrevera romances bem mais longos, ter dito algo dessa natureza sobre o Pedra da Lua.
Creio que essa visão que muitos leitores têm venha de uma leitura ANACRÔNICA do Pedra da Lua (muita gente até o classifica como "romance policial").
O que Wilkie Collins faz não é um romance policial, mas sim um romance de folhetim vitoriano. A descoberta do autor do roubo e do diamante não são a única razão de ser do livro. São quase um pretexto ao redor do qual o autor constrói a sua narrativa, faz sua crítica social (bem marcante nas partes narradas por Betteredge e por Drusilla Clack) e mantém o interesse do leitor.
Olhando por essa perspectiva, o Pedra da Lua é o grande romance no qual os autores de romances policiais irão se inspirar e do qual irão retirar muitas ideias. Conan Doyle e Agatha Christie parecem bem menos originais após a leitura de A Pedra da Lua.
Está tudo lá: Betteredge, o ajudante de detetive bobão, mas conveniente. O detetive um tanto excêntrico, com um raciocínio incrível, prestes a se aposentar do serviço e passar a cultivar rosas. A casa isolada sem que ninguém possa ter entrado ou saído durante o evento do roubo....
A diferença entre a descrição do sargento Cuff e de Sherlock Holmes é que Cuff tem olhos azuis e Holmes os têm castanhos!
Os críticos têm por certo que o sargento Cuff foi inspirado em Jack Whicher, um inspetor famoso à época por um conhecido caso que chocou a Inglaterra e que inspirou várias histórias policiais: o assassinato de Saville Kent em 1860.
E aí chegamos a parte que para mim é a mais complicada: é possível ver em A Pedra da Lua influências de Poe?
Eu diria que a parte em que um certo objeto é recuperado às areais trementes têm muito de O Escaravelho de Ouro de Poe.
Mas eu creio que a influência de Poe não seja tão forte assim. Dado o contexto principalmente. Na época, havia se formado na Inglaterra um grande público leitor de jornais, que acompanhava não apenas os romances de folhetim, mas também casos de investigação policial, como o já citado caso do senhor Whicher. Outros escritores como próprio Charles Dickens vão se aproveitar disso e colocar em suas narrativas elementos de mistério e investigação.
Enfim, um folhetim fantástico!!!