Flávia Menezes 22/02/2023
?SUPER GÊMEOS ATIVAR! ????
?Dois Irmãos?, lançado em 2000 e ganhador do prêmio Jabuti em 2001, é o segundo livro publicado por Milton Assi Hatoum, escritor, tradutor e professor brasileiro, descendente de libaneses, e considerado um dos grandes escritores nacionais vivos.
A narrativa da história é feita por um personagem que só vamos conhecendo ao longo da trama, quando, aos poucos, ele vai revelando detalhes da sua ligação com os personagens principais, falando de suas vidas, amores e dissabores, sem deixar de fora os sentimentos que ele nutre por cada um deles. E nesse caminhar, o narrador vai nos transportando para Manaus, e essa é uma parte belíssima da história, porque vamos tendo detalhes de cada lugar, cada costume, das comidas típicas da região, e até da flora e fauna que são encontradas por lá. É algo tão primoroso, essa descrição que o autor faz, que deu até vontade de viajar para Manaus, só para poder ver (ao vivo e à cores) cada lugar que era descrito, e que eu conheço tão pouco sobre.
Mas a forma com que eu me apaixonei pelas descrições do autor sobre Manaus, não foi igual ao que eu senti pela trama, ou mesmo por seus personagens. Quando a minha amiga me falou que era uma história sobre gêmeos, eu confesso que fiquei instigada em ver como seria, o que aconteceria, e foi aí que iniciei. Porém, o mesmo motivo que me fez iniciar essa leitura, foi aquele que me fez desgostar dela.
A história da família de Halim, o pai, Zana, sua esposa, e os filhos gêmeos Yaqub e Omar, demonstra ter uma grande ligação com a do autor, pois esta também é uma família descendente de libaneses, que vive no Brasil. E nessa miscelânea de culturas, me fez pensar que a construção dos gêmeos pode ter sido influenciada por essa questão, porque a forma como ele os desenvolveu, tem muito a ver com uma tentativa de reproduzir um Caim e Abel, do que de falar propriamente de como são os filhos gêmeos idênticos. Falo aqui sobre gêmeos com muita propriedade, já que eu tenho uma irmã gêmea idêntica, e ainda convivi a vida toda com outros pares de gêmeos idênticos (além de fraternos), tendo inclusive minha irmã gêmea e eu, batizado dois meninos gêmeos idênticos, hoje com 9 anos.
Na minha vida, essa questão de ser gêmea sempre foi algo muito normal, porque, na base da aeronáutica onde cresci, no mesmo prédio onde vivíamos, havia mais 4 pares de gêmeos, sendo que, 3 desses pares, eram de meninas na mesma idade escolar. Eu me lembro que quando brincávamos, a gente se dividia em 2 grupos, sendo um das que nasceram primeiro (o meu!), e o outro das que nasceram depois. E é muito comum, quando alguém encontra um par de gêmeos, fazer exatamente essa pergunta: "Mas quem nasceu primeiro?" Mas nunca ouvi falar de chamar um dos gêmeos de "caçula", como acontece na história. Até mesmo porque Omar não é o mais novo, e sim uma irmã. Sendo assim, que lugar é esse que ele ocupa que nem dele é? Não fez o mínimo sentido!
Mas como eu disse, o autor estava tão voltado em transformar os gêmeos em um Caim e Abel, que pouco trouxe dessa ligação tão rica que existe entre duas pessoas que surgiram de uma divisão de um mesmo óvulo fecundado. E por mais brigas, competições (e gêmeos são altamente competitivos!), e até rivalidades que possam existir, essa ligação é muito mais forte. Se nada no mundo é mera obra do acaso, imagina isso na vida de duas pessoas que vieram ao mundo juntas? Eu digo com propriedade, mas essa não é uma ligação normal como a que temos com os demais irmãos. É algo muito mais forte.
Outro ponto de grande exagero do autor, foi colocar as personalidades de forma tão extremista. Um é mau, e o outro é bom. Um tem sucesso, e o outro fica com o fracasso. Achei isso tão forçado, e tirou completamente a beleza da história, porque não existe isso. Todos nós somos dotados de qualidades e defeitos. E uma divisão de um óvulo, não faz com que um tenha 100% das qualidades e o outro fique com os defeitos. Não teve o mínimo nexo, e deixou tudo muito empobrecido.
A forma como a mãe trata os filhos gêmeos, com tamanha distinção, eu achei também muito fora do que acontece. Claro que é real que um seja visto, muitas vezes, como mais frágil do que o outro, até porque gêmeos passam a vida com comparações. Quem é o mais magro, quem é o mais alto, quem é o mais inteligente... e por aí vai. Mas achei muito forçada essa cisão porque, que mãe no mundo não se sente feliz em ter filhos gêmeos? Essa separação que o autor fez entre eles, achei que forçou demais para promover uma rivalidade que, para mim, ficou muito exaustiva e desinteressante.
Já o pai, Halim, para mim é o melhor personagem dessa história, muito embora ele se pronuncie bem pouco. Ele é o que podemos chamar de ?o último dos românticos?, e a forma como falam sobre o seu amor pela esposa é indescritivelmente apaixonante. Sinceridade, mas quem em sã consciência não gostaria de ter um marido como o Halim? Eu gostaria! E como pai, ele também era muito certeiro, com seu pulso firme, e que só não podia fazer mais, porque a esposa não deixava. Mas de todos, confesso que ele é o melhor personagem da história.
A disfunção da família foi muito bem desenvolvida, embora, na questão dos gêmeos, o autor tenha pesado demais a mão, e tenha forçado a distinção existente entre eles, o que me deixou muito desgostosa com essa leitura. Porque depois de um tempo, a história se tornou altamente repetitiva, e era tudo tão igual, mais tão igual, que eu tive muita dificuldade em terminar. E o final... para mim, em 20 páginas chegava no mesmo lugar onde acabou.
Aliás, um outro ponto que deixou a leitura muito cansativa, foram as mudanças bruscas no tempo em que a história acontecia. Em alguns momentos, quando o narrador estava chegando no clímax do que estava dizendo, a história mudava do nada para o passado, e ficavam páginas sendo contadas da história, deixando aquela situação anterior extremamente desinteressante. Haviam momentos que não dava nem para saber mais do que o autor estava falando, porque ele ficava em um indo e vindo de passado para presente, que deixou a narrativa muito cansativa e muito desinteressante.
Muito embora esta seja uma história que tenha falado de Manaus com tanta beleza, eu confesso que os demais pontos expostos aqui, deixaram a leitura muito repetitiva e cansativa, e isso me faz dizer que (para mim!), esta não foi uma história que tenha me encantado. Mas, se você gosta de literatura nacional, não leve tão a sério os pontos que eu trago aqui, porque esse pode ser um livro que irá te agradar bem mais do que agradou a mim.