Almeida 10/10/2020Bastava apenas uma palavra – perdão!Romance de conflito familiar é algo tão presente na vida de qualquer ser, por isso, o homem hoje já não consegue ou conseguiria deixar de promover um espetaculoso conflito, mesmo que ainda pequeno. Milton Hatoum mostrou uma desenvoltura singular ao escrever o livro Dois irmãos, uma trama que flui, pois nos faz mergulhar através de sentimentos que são transferidos às personagens em um contexto extraordinário que é ambientado em uma Manaus dos imigrantes, demonstra um cenário luminoso e festivo que cede espaço a uma escuridão e tristeza do fim. A trama é desenvolvida na tumultuada relação entre os irmãos gêmeos, Yaqub e Omar, que demonstram uma relação desafeiçoada assim como apresentada em Gênesis.
Gêmeos idênticos que ao passar do tempo, a partir da adolescência especificamente, são diferenciados, fisicamente, por causa de uma cicatriz no rosto de um deles, o Yaqub que adquiriu a marca na primeira disputa que teve como pivô Lívia, uma moça pela qual os gêmeos se apaixonam. Mesmo não sendo linear, pois brinca com o tempo psicológico, o romance apresenta uma concatenação de ideias, que não se contradizem e que nos envolvem nos flash back do narrador. Apresenta intertextualidade quando são mencionados Caim, Abel e Jó, pois estes são personagens bíblicas, Yaqub e Omar são comparados com os primeiros e Halim é comparado com o último.
Omar se apresenta como uma personagem plana, pois sempre foi comunicativo, um rapaz que se dedicou à vida boemia do inicio até o fim do romance, deixava acontecer, ele gostava de se expor e Yaqub se apresenta como uma personagem esférica, que era capaz de esconder tudo: um rapaz que não se deixa expor desde que voltou do Líbano, tornando-se então, um homem diferente e cheio de mistérios. E ambos compartilham um mesmo objetivo: vingar-se um do outro “Oxalá seja resolvido com civilidade; se houver violência, será uma cena bíblica.” P. 171.
O livro é um romance polifônico, pois nele encontramos várias vozes, e também se encaixa em uma narrativa aberta que permite o leitor imaginar ou compor sequências narrativas que não ficaram bem claras ao serem narradas pelo “narrador sem nome”, o personagem que tudo sabe e tudo vê. É um romance tão emocionante que a não apresentação do nome do narrador, passa despercebida e que também nos faz sentir na pele a busca constante por uma identidade perdida nos segredos familiares.
É um romance que traz um orgulho ferido, orgulho que o tempo e o espaço não conseguiram dissipar.
Os personagens:
Halim (pai)
Zana (mãe)
Yaqub
Omar
Domingas (empregada)
Rânia (irmã)
Lívia (a pivô)
O narrador que busca descobrir a identidade do pai (um dos gêmeos) com Domingas – Vai ser apresentado o nome dele no decorrer na narrativa.
(Alexandre de Almeida)