pablobrodrigues 02/10/2016
Milton Hatoum, Dois Irmãos e Manaus, por Pablo Rodrigues
“Quando os meninos nasceram, Halim passou dois meses sem poder tocar no corpo da Zana. Ele me contou como sofreu: achava um absurdo o período de resguardo, e mais ainda a devoção da esposa pelo caçula. Ele passa o dia na loja, entretido com os fregueses e os vadios que perambulavam pelos arredores do porto […]” (trecho do livro Dois irmãos, Milton Hatoum)
Li Dois irmãos, de Milton Hatoum na disciplina de Fundamento da Cultura Brasileira na Faculdade de Letras. Tínhamos que fazer um trabalho no final do curso, algo que tocasse na literatura brasileira contemporânea. Minha leitura então, foi pautada na busca de possíveis questões para serem problematizadas e desenvolvidas. Dois irmãos se encontrava numa lista de leituras possíveis, entre elas Leite derramado, do Chico Buarque, e também Cidade de Deus e Desde que o samba é samba, ambos de Paulo Lins. Minha escolha se deu mais ao Norte, lá para terras manauenses. E até aquela aula, eu nunca tinha ouvido falar de Milton Hatoum.
Nascido em Manaus, formado na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP e com Pós-Graduação em Literatura Comparada pela Sorbonne (Paris III), Milton Hatoum é um dos atuais e renomados escritores do romance contemporâneo brasileiro, tendo sua obra escrita em dez línguas e publicada em catorze países. Obras que lhe renderam inúmeras premiações, entre elas o prêmio Jabuti na categoria romance para as obras Relato de um certo oriente, Dois Irmãos, Cinzas do Norte e Órfãos do Eldorado.
Foi indicado pela obra Dois Irmãos ao prêmio IMPAC-DUBLIN e eleito o melhor romance brasileiro no período de 1990-2005 em pesquisa realizada pelos jornais Correio Braziliense e O Estado de Minas. Foi também finalista do Prêmio Multicultural do Estadão pela mesma obra. Dois irmãos ainda foi adaptada para quadrinhos e minissérie de TV.
O livro conta a história de dois irmãos gêmeos de origem libanesa que residem no estado de Manaus, os irmãos Yakub e Omar. Filhos de Zana e Halim, os gêmeos têm a sua rivalidade iniciada desde o momento de seu nascimento. Diálogos com a tradição literária e o tema da vingança e fraternidade não podem ser descartados. Temos, então, semelhanças entre a narrativa judaico-cristã de Esaú e Jacó (Gên. 25:22), bem como o diálogo com a própria literatura brasileira, a exemplo do livro homônimo de Machado de Assis.
Zana, a matriarca da família, era a mulher que conseguiu dobrar o patriarca Halim. Vemos que Zana é a mulher que influência e gerencia a casa. Da mesma forma a empregada Domingas representa um papel importante nessa narrativa, Yakub a tratava “como se ela fosse sua mãe e não a empregada”. As mulheres devem ser vistas de maneira bem especial nessa narrativa.
É por meio de Nael, filho de Domingas, que a história será narrada. Nael convida o leitor a compreender o universo da vida da famílias dos gêmeos, e também descobrir sobre o paradeiro do seu pai biólogico. Confesso a dificuldade de um “sentença” sobre o possível pai de Nael. Seria um dos gêmeos ou ainda Halim? O que reforçaria e criticaria a estrutura patriarcal brasileira.
Entre as desavenças de interesse dos irmãos, podemos incluir outra personagem que gera tensão entre os dois. Além da rivalidade causada pelo excessp de Zana por Omar, temos a presença de Lívia, que se encanta por Yakub, desde a infância e torna-se sua esposa. Sendo esta a causa mais marcante da rivalidade dos gêmeos. Podemos ver aqui ecos da narrativa machadiana.
Ao ler essa obra de Milton Hatoum eu fique profundamente impressionado com o a relação psicológica dos personagens e sua relação com o espaço literário criado pelo autor. A casa dos irmãos é próxima ao rio Negro, o que convida a gente a pensar sobre as vidas que giram em torno do rio, mas sobretudo, a vida como “devir”, isto é, esse eterno “vir a ser” da metamorfose de Yakub e Omar. Os cenários para mim pareciam sempre carregados de uma certa umidade.
É um livro muito importante para mim, pois foi um dos primeiros a configurar na lista dos “meus livro concluídos” e acredito que todo leitor que se aventura pelas páginas de Dois irmãos, encontrará uma narrativa sensível e profunda. A leitura torna-se portanto, indispensável.
Referências:
HATOUM, M. Dois irmãos. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
site: www.projetoembarque.com e www.blogdopablorodrigues.wordpress.com