Yuri 29/12/2013O que acho sobre Robinson CrusoeSolidão: um dos nossos maiores medos, tal como a morte. Sim, a humanidade vive, desde os nossos tempos mais primevos, assombrada pelo fantasma da solidão. Já dizia Aristóteles que o homem é um animal social, que pereceria sem o convívio com os seu semelhantes. E nada pode ser mais verdadeiro. Afinal, que motivos temos para apagarmos o que somos à tentativa de condicionarmo-nos ao convencional, ao externo, ao aceitos por todos? Por que razão nos damos a viver ortodoxamente o politicamente correto, em detrimento de encaramos os nossos próprios desejos? Será que é porque gostamos? Claro que não! Somente aceitamos perder passivamente nossa identidade pessoal a fim de incorporar o que a sociedade dita por um simples motivo: porque temos medo da segregação, do abandono, da exclusão. Esse é medo intrínseco a nós, e em nome dele às vezes nos tornamos preconceituosos e mesquinhos. Podemos dizer que isso é uma das temáticas que Robinson Crusoe aborda. Pense você, leitor, o que faria se de uma hora para outra você fosse lançando à uma ilha deserta, desterrado do convívio da espécie humana, tendo como companhia somente o oceano, a mata, e os animais? Você conseguiria sobreviver? E caso sobrevivesse, você se resignaria à sua nova realidade, ou cederia de vez à loucura? Eis aí o gérmen de uma história emocionante (e até mesmo filosófica), que diz muito sobre a espécie humana, sobre os nossos medos - os quais não discutimos, mas antes procuramos debalde soterrá-los nas nossa profundezas. Um jovem impetuoso - Robinson Crusoe -, sequioso de aventuras, lança-se ao mar à busca de fama, riqueza, glória e, de chofre, vê-se exilado numa ilha deserta, à própria sorte em que estaria, hipoteticamente, arruinado.
Gosto de resenhas minuciosas, e vou esforçar-me em fazer uma. Vamos por parte:
O livro é dividido em duas partes - não contém capítulos. Bom, já me adianto que Daniel Defoe criaria um livro fenomenal - pelo menos para mim - se cessasse sua escrita à primeira parte, terminando com um belíssimo ponto final. Na primeira parte temos a narração da estada do protagonista na ilha, de como lá chegou e de suas aventuras. Na segunda parte há uma narração parelha à um diário de viagem, com descrições excessivas de itinerários e lugares - enfim muito técnico -, quase uma não-ficção, o que dá ao livro uma estrutura maçante. Volto a repetir: se em Robinson Crusoe tivesse apenas a sua primeira parte seria um livro muito melhor, sem dúvida.
Deixarei os temas mais profundos ao final, comecemos com a narrativa. Posso afirmar que é uma linguagem vez por outra excessivamente pormenorizada, saturada de circunlóquios, não muito objetiva. Talvez porque o autor queria retratar um Robinson Crusoe com bastante tempo para observar e escrever - uma pessoa exilada, com bastante tempo ocioso, estaria disposta a empenhar toda sua energia numa descrição fiel às suas considerações pessoais. Bom, se o caso foi esse, devo louvar a atitude do autor, mostra sensatez e inteligência. Outro ponto digno de nota é que sendo um romance antigo (publicado em 1719) o encontraremos repleto de fórmulas antigas e conjunções desusadas. A linguagem dessa forma não é fluida e sim estática. Porém, isso de forma alguma apaga o brilho da transcendental mensagem do livro; apesar do texto ser maciço este não ofusca o enredo, o qual tem força mais que suficiente para se sobressair. E para os amantes da língua portuguesa de plantão - como eu - o texto é um exemplo rico e feliz da capacidade adaptativa de nosso vernáculo, do seu poder de transitar entre os mais diversos níveis e formas. Deixando a linguagem à parte, foco agora sobre a narrativa - em suma: sofre amiúde vacilação - alternando ora momentos de clímax ora passagens de extrema monotonia, portanto o livro assim como a vida é um ciclo de montanhas e vales, ora lá em cima outrora lá embaixo, assim o leitor oscila da empolgação ao tédio, mormente na segunda parte - ao meu parecer - a leitura é demasiada pedante.
O tema: sob a égide do Romantismo, Daniel Defoe forja um personagem que tem muito para nos dizer. Robinson Crusoe simboliza a nossa decepção social - alguém coagido pelo destino a viver ilhado mas que resiste, e à distância da sociedade consegue analisá-la imparcialmente. Em meio à natureza, Robinson muda de hábitos e de consciência, após uma série de lucubrações sobre a vida e sobre sua nova condição. O protagonista representa também o homem que sofrendo tantas e tantas vicissitudes reúne forças para se refugiar na Divindade; tendo-a como uma válvula de escape, um escopo para sua existência, um consolo. O senhor Crusoe apoia-se na sua crença em Deus, ainda que fosse uma crença mecânica e automática quando antes nada sofria, mas na ilha Robinson tem a oportunidade de revisar seus atos, tem tempo demasiado para espiritualizar-se. A partir daí o leitor vê-se operar uma verdadeira metamorfose - o narrador desesperado das páginas anteriores dá lugar à um sábio homem crente da onipotência de Deus; apercebe-se as caridosas mãos da Providência em todo o seu caminho, dando-lhe sustento.
Em verdade, os que leem o livro depararão-se com as abundantes meditações do jovem, as quais consistem em lições cabalmente aproveitáveis. Mas, os leitores mais atentos (e curiosos) saberão divisar através da voz moralista a presença do próprio autor (Daniel Defoe). Transvestido com sua criação, Defoe dá liberdade à sua fala para expôr o que pôde aprender no mundo em toda a sua vida conturbada, e para comprovarmos isso basta olharmos a biografia de Daniel e vermos os inúmero revés pelos quais passou e a sua inexpugnável crença em Deus. Fora isso, o leitor pode ter acesso a outras exortações secundárias sobre amizades, riquezas, família, etc.
Algo intrigante é o papel dos indígenas, sempre estereotipados - retratados como seres inumanos e cruéis, sempre propensos a fazer um churrasco com carne humana . Dá para perceber um certo Eurocentrismo nas páginas de Defoe. Por exemplo: só na Europa há cristãos, e só os cristão são "civilizados" (entre aspas porque não existe humano perfeitamente civilizado) e capazes de valores nobres. Os indígenas só serão pessoas de fato quando cristianizados e outras coisas do tipo. Aliás, a narrativa faz questão de abordar também a rivalidade do protestantismo e o catolicismo. Bom, eu particularmente não gostei disso. Mas, considerei esse fato como uma ironia, uma sátira à Europa daqueles tempos, sendo assim, temos na obra um fiel retrato do mundo e dos seus conceitos naqueles tempos. E isso é fácil de se entender, afinal o Velho Mundo, sobretudo a Europa, por tanto tempo achando-se sozinho, entra em choque ao confrontar-se com outros povos diversos. Concluo Robinson Crusoe sem um sentimento definido, e sim uma espécie de calor multiforme que não convém a defini-lo, bom eu fiquei um pouco frustado porque esperava mais. Mas, cada um tem um gosto particular, essa foi minha análise da obra.