Marcos Pinto 24/04/2017O pecado ronda?Em Padre Sérgio, acompanhamos a vida de Stiepán Kassátski, um jovem militar russo. Altamente ambicioso, ele sempre queria ser o melhor no que fazia, seja o que fosse. Por seu jeito, sempre galgou postos rapidamente e, muitas vezes, pouco imagináveis. Até que chega o momento que ele percebe que apenas ser militar não é o suficiente: ele deseja estar no meio dos altos círculos sociais da Rússia.
Nessa ambição, Kassátski usa todo o seu charme e desejo de crescer para começar a cortejar uma jovem de família influente. Aparentemente, suas intenções não seriam alcançadas. Porém, falhar não era para ele. Stiepán continua tentando até que recebe o direito de se casar com a jovem. Contudo, subitamente, ele desiste do noivado, das posses e resolve que viraria padre. O que aconteceu para que isso acontecesse? Quais as razões mais intrínsecas? Você terá que ler para descobrir.
Padre Sérgio foi um livro que me surpreendeu. A surpresa não veio por um enredo incomum, nem por reviravoltas extraordinárias, mas por uma prosa rica dentro de um enredo altamente linear. Tirando a mudança súbita de vida do personagem, o que não é surpresa, visto que essa mudança dá o nome ao livro, não há nenhuma grande reviravolta na obra, mas apenas uma passagem de anos. Entretanto, o improvável acontece: Tolstói constrói uma obra prima apenas com esse recurso.
“(...) todos os seus passos não tinham outro fim senão o de alcançar a perfeição e o sucesso que suscitariam o elogio e a admiração das pessoas. Apegava-se quer aos estudos, quer à ciência, e trabalhava até que o elogiassem e o apontassem como exemplo aos demais” (p. 10).
O grande trunfo do autor é apostar no lado psicológico do protagonista. Mesmo quando nada acontece a sua volta, tudo ocorre dentro da mente e alma de Padre Sérgio – novo nome de Stiepán Kassátski –. Página após página, vemos a briga interna da fé contra a infidelidade; da soberba, ambição e luxúria contra o que Sérgio pregava. O personagem se torna uma colcha de retalhos de brigas internas, o que deixa a obra completamente envolvente.
Ademais, o autor também tece profundas críticas à sociedade russa, principalmente à estrutura religiosa da igreja católica. Aliás, essas críticas foram tão intensas que lhe renderam uma excomunhão, algo altamente indesejável na época. Com um realismo invejável, Tolstói expõe as feridas abertas da igreja, mostrando as mazelas, os erros, as “trapaças religiosas” e outros vícios. Isso, sem dúvida, deixa a obra muito mais viva e intensa.
Se não bastasse tudo isso, ainda temos uma edição simplesmente maravilhosa, no melhor estilo Cosac Naify de qualidade. A capa é dura, a diagramação é confortável e os extras são maravilhosos. Temos um artigo apresentando a visão de um especialista que não considera a obra tudo o que dizem; há também outro artigo muito elogioso sobre a obra. Por fim, um texto do próprio autor falando sobre o livro e sua excomunhão. Sem dúvidas, subsídios mais do que suficientes para ter uma visão mais completa do livro.
“Seus olhares se cruzaram e se reconheceram de imediato. Não que algum dia tivessem se conhecido: nunca haviam se encontrado antes, mas, pelo olhar que trocaram, ambos (principalmente ele) sentiram que já se conheciam e compreendiam um ao outro. Impossível acreditar que não fosse uma mulher simples, bondosa, encantadora, tímida, mas sim o diabo” (p. 33).
Adendo: Li esta obra em 2016 e ela foi, sem dúvidas, uma das melhores leituras do ano. Um livro genial e que vocês precisam conhecer. Recomendo.
site:
http://www.desbravadordemundos.com.br/2017/04/resenha-padre-sergio.html