HigorM 17/11/2023
"LENDO PULITZER": sobre repetições e estereótipos
Este "Curto alcance" parecia ser uma leitura bastante promissora. Primeiro porque a autora, Annie Prouxl, ganhou o Pulitzer de ficção com seu livro anterior, o elogiado, embora ainda não lido, "Chegadas e Partidas"; logo, figurar no mesmo prêmio pela segunda vez consecutiva, ainda mais uma coletânea de contos agora, era algo, se não visto como magnífico, ao menos como para se observar com um pouco mais de atenção.
Infelizmente a decepção veio, pois de início, este "Curto alcance" parece trazer um alívio muito grande para quem encara os Estados Unidos como vendido pela mídia, pois tem o prazer de apresentar cenários, culturas e narrativas que fogem do estereótipo hollywoodiano, que pintam cavalos, chapéus, botinas, os "saloons" com portas duplas em desenhos como Pica-Pau e filmes dos irmãos Coen, Tarantino ou em grandes filmes que Clint Eastwood protagonizou como o suficiente para representar parte da cultura e geografia estadunidense. Sim, sabemos que todo e qualquer período de colonização é caracterizado por violência, assassinatos e sangue, mas o oeste americano, ainda mais a Wyoming de Prouxl tem espaço para cenários mais tênues, embora áridos, montanhosos e conturbados à sua própria maneira.
"A rês semi-esfolada", por exemplo, o conto encomendado que abre o livro, carrega a poeira e a aridez da geografia local, onde um senhor na casa dos 80 anos recebe a notícia do falecimento de seu irmão e, contrariando a expectativa dos parentes, de que iria ao velório de avião, decide revisitar seu passado de carro.
Por sua vez, "Num lamaçal", acompanha Diamond, um jovem de 23 que está prestes a montar o temido Beijinhos, onde deve permanecer por oito segundos para ganhar o prêmio da noite. Conhecemos o relacionamento conturbado com a mãe, que, embora fria e aparentemente sem sentimento, tenta convencer o filho a mudar de vida, levando-o a conhecer montadores que tiveram um destino trágico ao encarar tal vida arriscada.
Minhas concessões iniciam a partir deste conto, a começar, principalmente, pela tradução de Adalgisa Campos da Silva. Não que esteja de fato mal traduzido, mas acredito que muitas expressões utilizadas deixaram o texto pouco fluido, como que forçosamente erudito ou para soar um linguajar mais rústico, pouco usual. Eu precisaria ler no original para cotejar, mas a sensação incômoda de engessamento me acompanhou durante toda a leitura com a presença de determinadas palavras.
Além disso, embora com bons contos, de modo geral, crus e com a intenção de provocar ou chocar, não com barbaridades, mas ao pincelar a realidade daquele povo, as histórias se tornaram de rápido esquecimento com o passar dos dias, o que é uma pena, pois a grande sensação que ficou foi a de que, conforme os contos passavam, eu encarava uma nova história, porém com várias repetições e até mesmo estereótipos: homens brutos, ríspidos, mãos secas, cuspes no chão; mulheres gordas, analfabetas e desajeitadas, subordinadas, sem voz, mas sonhadoras, assim como jovens que tentam a vida longe daquele cenário, mas a terra natal os traga de volta. Sequidão, vento, areia, sujeira, pó… mas basta o leitor colocar Wyoming no Google para ver rios, cânions, áreas verdejantes e suspirar com tais beleza.
Retornando às histórias, eu me lembro de ter apreciado a leitura de "A história de Jó" e ainda mais de "Quem vive no inferno se satisfaz com um gole de água", mas que consegui lembrar da história ao pesquisar na internet sobre os contos para escrever esta resenha, o que não seria justo com o leitor.
Seguindo os contos que me satisfizeram e que consigo me lembrar, além de diversos outros um tanto com pouca recordação, temos o mais famoso, adaptado ao cinema e detestado pela autora por conta de sua fama, "O segredo de Brokeback Mountain", com oito indicações ao Oscar e três vitórias.
Dispensando o enredo, que acredito ser de conhecimento geral, a história, embora bem escrita, sem rodeios ou floreios, como os demais contos, fez-me refletir se tal sucesso estrondoso se deve a uma singela história de amor gay, ao atrevimento de uma história publicada em 1997 sobre a homossexualidade nos anos 60 e 70, ou não passa de um mero fetiche pornográfico gay sobre sexo entre cowboys, afinal, a própria Prouxl confessou se arrepender de ter escrito o conto, por conta dos incessantes e-mails que recebe, com histórias alternativas mais amorosas ou contos puramente eróticos sobre a relação entre Jack e Ennis.
Seco em sua escrita, engessado em sua tradução e com certa dificuldade de fixação, por conta do leitor ou das histórias (?), "Curto alcance" desmistifica e apresenta o real faroeste americano, tão problemático quanto, e sem os floreios que a indústria cinematográfica pede, mas parece se cansar ao longo das páginas e se render a repetições, o que é uma pena. Que venha então seu romance premiado.
Este livro faz parte do projeto "Lendo Pulitzer".