spoiler visualizarRafael 17/03/2013
A República
A obra "A República", de Platão, é um diálogo socrático que foi escrito pelo filósofo grego no século IV a.C. É uma coleção de 10 livros onde Sócrates, por meio da dialética, argumenta com seus companheiros a criação de um Estado ideal. Além disso trava-se um debate entre seus interlocutores acerca do que seria mais vantajoso: ser um homem justo ou injusto. Depois disso, no decorrer da obra, Platão trata do governo dos filósofos e da visão do Bem, na famosa Alegoria da Caverna. O filósofo ainda faz uma reflexão sobre as concepções de Estado, visando desenvolver a questão sobre a felicidade do homem justo e a infelicidade do injusto, ao relacionar a Timocracia, a Oligarquia, a Democracia e a Tirania. Por fim Sócrates discorre a respeito da busca da Verdade suprema através do conhecimento, em detrimento das imitações e poesias, e conclui a sua argumentação, comprovando sua hipótese acerca da felicidade de quem é justo ou injusto.
A história inicia-se, no primeiro livro, quando Sócrates descia ao Pireu, um porto nas cercanias de Antenas, e era interceptado por um escravo de Polemarco, amigo de Sócrates, pedindo-o que esperasse pelo seu amo. Polemarco então convida Sócrates para uma festa que está para acontecer naquela mesma noite, em sua casa. Lá ele encontra Céfalo, o pai de Polemarco, que há muito tempo não via, e então iniciam uma longa conversa, que duraria a noite inteira. Inicialmente a discussão gira em torno do conceito de justiça. Polemarco sugere que justiça é fazer o bem ao amigos, e mal ao inimigos, enquanto que Sócrates refuta esta tese, haja vista que não é possível distinguir entre verdadeiros e falsos amigos, já que as aparências podem enganar. Trasímaco por sua vez tenta estabelecer que a justiça consiste na imposição do poder do mais forte, o que prontamente é redarguido por Sócrates. Então este passa a defender a injustiça, com aparência de virtude, afirmando que é vantajoso trapacear e receber honrarias se passando por um homem justo. O livro termina com a afirmação de Sócrates de que somente o indivíduo que possui a justiça é feliz plenamente.
No segundo livro, Glauco, desejoso de que Sócrates entrasse em maiores detalhes em seu argumento acerca da justiça, define 3 categorias de bem, e pede para que ele indique em qual dessas categorias a justiça melhor se encaixa: o bem que é estimado por si mesmo; o bem que é desejado também pelas suas consequências; e o bem que é penoso porém útil. Sócrates considera que se encaixa na segunda categoria, contrariando Glauco que considera a justiça um bem penoso, praticado para manter as aparências e a reputação. Neste momento é estabelecida uma discussão sobre se as pessoas procuram praticar a justiça pela justiça, ou por medo de serem punidas por cometerem injustiças. Adimanto intervém, e opina que os homens praticam a justiça almejando as honrarias que dela derivam, onde dessa forma, seria melhor ser injusto, fingindo um comportamento de homem justo. Sócrates propõe que esta questão seja analisada num contexto mais abrangente. Então, começa a construção de sua cidade ideal, composta por lavradores, pedreiros, artífices, tecelões, entre outros. E então o assunto em voga, até o final deste segundo livro, passa a ser a educação, que será aplicada aos jovens desse Estado; e a influência das obras poéticas, que na opinião de Sócrates deveriam ser eliminadas.
No Terceiro livro, Sócrates fala a respeito da educação que os guardiões deveriam ter desde quando fossem ainda crianças, que deveria se dar pela música e pela ginástica. Ele também afirma que é necessário que um bom juiz não seja jovem, e que a injustiça lhe seja apresentada somente mais tarde, depois de já haver formado seu caráter, impedindo que o conhecimento da injustiça se aloje em sua alma.
No quarto livro, estabelece-se que para reinar a justiça em uma cidade é necessário que nela haja ao menos três virtudes: a temperança, a sabedoria e a coragem. A sabedoria seria útil aos guardiões, para que estes administrem corretamente a cidade; a coragem deveria estar presente na alma dos guerreiros, pois seria bastante necessária em tempos de guerra; e a temperança deve estar presente em todas as classes de cidadãos. Neste contexto, cada cidadão deve exercer uma única função, aquela à qual sua natureza é mais inclinada.
O quinto livro inicia-se com a solicitação de Adimanto a Sócrates, para que este discorra acerca do papel da mulher e das crianças nesta sociedade. Ele explica que não deve haver distinção de gênero, no que tange à execução de funções. Entretanto é preciso que a mulher receba com o mesmo rigor o treinamento e educação ao qual o homem for submetido. Sócrates passa então a estabelecer as regras de união entre homens e mulheres. Outrossim ficou estabelecido que as crianças seriam criadas em conjunto com as mães da cidade, contudo não lhes seria permitido saber quem era sua mãe, tampouco às mães seria permitido conhecer dentre eles, quais eram suas crianças. Sobre as guerras Sócrates adverte que não deve haver batalhas com outras cidades gregas, e que possíveis desavenças sejam resolvidas de forma pacífica. Em seguida o filósofo titubeia um pouco, mas decide-se por afirmar que as cidades devem ser governadas por filósofos. Entende-se por filósofo aquele que ama a verdade. Em seguida estabelece a diferença entre ignorância, ciência e opinião. A ciência é o conhecimento do Ser, a ignorância é a falta de conhecimento, e a opinião é algo entre a ciência e a ignorância.
No início do sexto livro, Sócrates expõe os motivos pelos quais acredita que a cidade deva ser governada por filósofos. Adimanto objeta, e considera que os cidadãos têm os filósofos como uma classe estranha. Sócrates então explica que isso acontece em Estados governados por demagogos, e também se deve à influência dos sofistas, que se valendo da dialética, se passam por filósofos e denigrem a classe como um todo. Em seguida Sócrates inicia uma complexa reflexão acerca da ideia do bem. Ele introduz o conceito de mundo sensível, no qual fazem parte as imagens e os objetos sensíveis; e inteligível, no qual fazem parte os conceitos científicos e as ideias.
É no sétimo livro, que Platão apresenta a sua tão famosa Alegoria da Caverna. Nela o filósofo descreve uma caverna, onde existem algumas pessoas que passaram a vida toda acorrentadas, contemplando as sombras projetadas pela luz que vinha de fora. Sem poderem virar o pescoço para trás, essas pessoas desconheciam as formas e os objetos do mundo real, e acreditavam que aquele é que era o mundo verdadeiro. Até que em um dado momento, um dos prisioneiros consegue se soltar, e sair da caverna. Ao entrar em contato com a luz do mundo exterior, esse prisioneiro fica maravilhado com tudo aquilo que vê, e resolve voltar para contar tudo ao restante dos aprisionados da caverna. Também nesse livro, Sócrates desenvolve a ideia, da maneira como o futuro filósofo deve ser educado, para se que chegue ao conhecimento do Bem. Fala inclusive da cronologia, até o ponto em que o filósofo se torna um governante da cidade, o que ocorre após os 50 anos.
No livro oito, Sócrates retoma a discussão a respeito da felicidade do homem justo, e relaciona as diferentes formas de governo (Timocracia, Oligarquia, Democracia e Tirania) com seus respectivos governantes. O homem do regime timocrático é impulsivo, e tem sua alma guiada pela ambição em busca da riqueza, e disto resulta o regime oligárquico. Na oligarquia há a separação entre ricos e pobres na cidade, e a ação dos governantes gera a revolta na maioria pobre da população, o que, por consequência, gera o regime democrático. O governante democrático, é temeroso de perder a sua posição em meio às disputas pelo poder, e torna-se uma pessoa autoritária, e inicia um processo totalitário de governo, convergindo para a tirania. E por fim o tirano, que, por medo de ser destituído da posição, lança mão da estratégia de eliminar os melhores cidadãos de sua cidade.
No nono livro, o filósofo destrincha o regime tirânico e explica porque um tirano jamais conseguirá alcançar a felicidade. Ele faz o comparativo entre a tirania e o estado ideal, e fica evidente que o tirano torna-se escravo do próprio estado que representa. Glauco admite que este estado ideal é utópico, porém Sócrates afirma que este é um modelo para que quiser contemplar, e seguir como estilo de vida.
No décimo e último livro, Sócrates enfatiza a necessidade de que os poetas e imitadores sejam abolidos da cidade ideal. Ele considera que estes artistas não possuem nem ciência, nem opinião sobre aquilo cuja obra gira em torno. Estão distantes três graus da Verdade suprema. Passa em seguida a defender a imortalidade da alma. Para Sócrates um mal alheio a um objeto não é capaz de destruir este objeto. Por conseguinte um mal do corpo não pode prejudicar a alma. E como também foi explicado, que não há mal da alma capaz de destruí-la, nem a injustiça, nem a intemperança, covardia ou ignorância; fica então comprovada a sua imortalidade. O filósofo então se prepara para asseverar a posição do justo em relação à felicidade, ao afirmar que as recompensas e dádivas que ele recebe em vida não são nada comparadas com as que receberá após a morte. E então ele apresenta o mito de Er, um homem que teve a oportunidade de viver uma experiência de pós-morte, e que conseguiu retomar à vida dez dias depois, para contar aos homens o que os espera, ao chegar a termo suas vidas. Onde mais uma vez, fica evidente a necessidade de, ainda na existência terrena, levarmos uma vida pautada na virtude e na justiça.
"A República", de Platão, é uma obra magnífica, indispensável para quem deseja esmerar-se. É possível constatar que muitos dos assuntos abordados nestes diálogos são bastante contemporâneos. As pessoas hoje em dia ainda fazem as mesmas perguntas que Sócrates fazia 25 séculos atrás.