spoiler visualizarSergio330 27/04/2023
Disse culpado, o que não significa que vá pedir perdão.
Esse livro é um tapa na cara. Incomoda onde você não acha possível incomodar. Em bem verdade não sei nem por onde começar. Comecemos pelo Vania, eu acho a utilização da primeira pessoa por Dostoievski nesse livro algo genial. Parece que o personagem principal é etéreo, só nos serve de ponte para conectar os acontecimentos. Não digo que ele é superficial, de modo algum, mas às vezes você nem nota a presença dele nos diálogos e reflexões do livro. Isso me gerou uma sensação muito interessante no livro: parece que eu era o personagem principal e que eu era simplesmente uma mosquinha vendo todos os acontecimentos. De modo que, quando alguém chamava Vânia, parece que estavam chamando a mim. O livro nos passa uma sensação de medo, medo real, a renegação de Natacha por Nikolai de modo que ele teima em não perdoar a filha é de diversos modos assustador. Sempre temos aquele medo do que vai acontecer com Natacha, porque sabemos que o decurso do livro não a favorecerá do modo como ela deseja. Nelly (Helena), aquela sim é um chute no estômago, uma personagem tão simples, tão pequetita e tão, tão densa. Nelly possui uma beleza extraordinária, aquela menina, mexe com qualquer um que leu o livro, disso não tenho dúvidas. A meninice dela, aquele egoísmo do ofendido de não aceitar nenhuma ajuda por causa da imensa suspeita em relação ao mundo não deixa de ser tocante. É duro e poético. Ler sobre a Nelly dói na alma, ela é apenas o reflexo de um mundo extremamente injusto. Tenho uma admiração completa à força de vontade da pobrezinha. Agora o príncipe e seu filho, minha nossa, arrepio-me só de pensar. Desde o princípio sabemos que o príncipe não é flor que se cheire, mas quando ele se desmascara por si só, daquele modo extremamente despreocupado, gerou em mim o mais puro asco. Tive que parar o livro por um tempo de tanto nojo em relação a esse personagem. Ele levanta uma questão seríssima: a filosofia, o modo de pensar sem nenhuma convicção moral, é filosofia? O príncipe possui um despudor imenso, aquele descaramento dele choca e indigna qualquer um. Por quê? Porque nada vai acontecer a ele, a sua descaratice está protegida pelo fator nobreza. Só de pensar dá-me uma vontade de vomitar. Sou amante de livros de terror com vilões dos mais diversos tipos, fã de novelas com as vilãs mais caricatas, mas o príncipe foi o pior que eu já vi, não possui nenhum motivo para ser ruim, não possui nenhum motivo para essa ausência total de personalidade. Ele é ruim porque quer. Ele é ruim porque PODE. Aquele filhinho imprudente dele também não sai do meu balaio do nojo, de modo que ele é tão ruim quanto o pai, leviano, imprudente e egoísta. Inconstante, nojento e despreocupado. A esses dois cabe qualquer adjetivação negativa. O livro desmascara essas pessoas horríveis, mas de nenhum modo elas vão se afetar por serem ruins. São nobres, que se há de fazer? Essa dicotomia entre ser mal porque se é e ser mal por causa da realidade (a Nelly, por exemplo) é extremamente interessante e de uma maestria desmedida. Quem deve ser humilhado e ofendido nesse livro não o é, mas quem não deve é humilhado e ofendido aos excessos. Escoraçados da realidade social sem o menor pudor e despreocupadamente. Meu mais singelo parabéns a Dostoievski, conseguiu causar-me um incômodo gigantesco. Para escrever algo dessa conjectura, tem que ter muita noção da realidade social. Aqui está e jazerá o meu maior desprezo ao príncipe e aquele seu filho moleque.