Leandro.Bonizi 19/12/2022
Ela, logo no primeiro soneto, "Este Livro", já apresenta a essência de seus versos:
"Chorai comigo a minha imensa mágoa,
Lendo o meu livro só de mágoas cheio!..."
Ela é sofrida e até dramática, demonstra desespero, e sua imensa dor, que não encontra ouvidos, chega a tornar-se a sua essência:
"Que ela afaste de ti aquelas dores
Que fizeram de mim isto que sou!"
Tamanha dor, que ela sente-se impotente de expressá-la com precisão em seus versos:
"Não ser poeta assim como tu és,
Para gritar num verso a minha Dor!..."
Ela estava fadada a sofrer:
"Soluço imenso, eterno, que é a voz
Do nosso grande e mísero Destino!..."
Desiludida, não só com o amor. As suas ilusões, a vida levou:
"É vão o amor, o ódio, ou o desdém;
Inútil o desejo e o sentimento...
Lançar um grande amor aos pés de alguém
O mesmo é que lançar flores ao vento!"
Também fala de amores não realizados, ou um amado desconhecido. "Chorar amargamente um beijo teu, divino,
E rir olhando o vulto altivo da desgraça!"
O pensar para ela traz o sofrimento. Faz muita analogia entre sua tristeza e os fenômenos da natureza:
"A vaga estende os braços a suster,
Numa dor de revolta cheia de ira,
(...)
O sol morreu... e veste luto o mar..."
Em outro soneto:
"Chuva... tenho tristeza! Mas por quê?!
Vento... tenho saudades! Mas de quê?!
Ó neve que destino triste o nosso!"
E queria ser a naureza que não pensa:
"Eu queria ser a pedra no caminho
Que não sofre a tortura do pensar..."
Outra temática é a velhice, e saudade dos tempos que era nova:
"Tenho vinte e três anos! Sou velhinha!".
Em outro:
"Tenho a pior velhice, a que é mais triste,
Aquela onde nem sequer existe
Lembrança de ter sido nova... outrora..."
Trata de sonhos vãos:
"Quanto sonho a nascer e já desfeito!"
"De sonhos que não tenho e que eram meus!"
Trata novamente de amores não realizados:
"E, nesse beijo, Amor, que eu te não dei
Guardo os versos mais lindos que te fiz!"
Fala da saudade:
"E quem dera que fosse sempre assim:
Quanto menos quisesse recordar
Mais saudade andasse presa a mim!"
Tem crises existenciais, e não encontra seu lugar:
"À Terra não me prendem nenhuns laços"
Entra em conflito com o eu, e tem dúvidas da própria identidade:
"Ah, quem me dera ser Essas que eu fui,
As que me lembro de ter sido... dantes!..."
Em outro:
"Que sou eu neste mundo? A deserdada,
A que prendeu nas mãos todo o luar,
A vida inteira, o sonho, a terra, o mar
E que, ao abri-las, não encontrou nada!"
Fala da morte como redenção:
"E os meus vinte e três anos... (Sou tão nova!)
Dizem baixinho a rir: “Que linda a vida!...”
Responde a minha Dor: “Que linda a cova!”"
No poema "A UM MORIBUNDO" fala das várias possibilidades do após a morte, e encerra dizendo "Tudo será melhor do que esta vida!..."
Outro que cultua a morte:
"Morte, minha Senhora Dona Morte,
Tão bom que deve ser o teu abraço!
Lânguido e doce como um doce laço
E como uma raiz, sereno e forte.
Não há mal que não sare ou não conforte"
Também sofre de tédio:
"É um tédio profundo de viver!
E é tudo sempre o mesmo, eternamente...
O mesmo lago plácido, dormente...
E os dias, sempre os mesmos, a correr..."
Fala de sua ligação com os perdidos na vida:
"Boémios, vagabundos, e poetas,
Com eu sou vossa Irmã, ó meus Irmãos!".
Pois também é uma perdida:
"Na vida nada tenho e nada sou;
Eu ando a mendigar pelas estradas...
No silêncio das noites estreladas
Caminho, sem saber para onde vou!"
Em outro:
"Até sair de mim! Ser a Perdida,
A que se não encontra! Aquela a quem
O mundo não conhece por Alguém!"
Esse quarteto me chamou muita atenção:
"Minha alma ardente é uma fogueira acesa,
É um brasido enorme a crepitar!
Ânsia de procurar sem encontrar
A chama onde queimar uma incerteza!"
Uma característica marcante em alguns sonetos é o uso de termos de erotismo para coisas não lúbricas, como coisas abstratas, geralmente conotando dor, tristeza. Fala também de sua ansiedade, solidão, de mágoas que ela não sabe do que e demonstra religiosidade. Ocasionalmente demonstra certa vaidade ao falar de si.
Para encerrar, escolhi um soneto belíssimo para postar na íntegra:
"A FLOR DO SONHO
A Flor do Sonho alvíssima, divina,
Miraculosamente abriu em mim,
Como se uma magnólia de cetim
Fosse florir num muro todo em ruína.
Pende em meu seio a haste branda e fina.
E não posso entender como é que, enfim,
Essa tão rara flor abriu assim!...
Milagre... fantasia... ou, talvez, sina...
Ó Flor que em mim nasceste sem abrolhos,
Que tem que sejam tristes os meus olhos
Se eles são tristes pelo amor de ti?!...
Desde que em mim nasceste em noite calma,
Voou ao longe a asa da minha alma
E nunca, nunca mais eu me entendi..."
Florbela Espanca partiu em 1930 com apenas 36 anos, mesma idade que outros escritores que eu conheço, encontrando redenção ao seu sofrimento pelas próprias mãos. Fernando Pessoa chamou-a de "alma gêmea".