Gustavo Araujo 11/07/2013
A Filosofia da Montanha
O desejo inexplicável que acomete algumas pessoas de chegar no topo de uma montanha, simplesmente porque ela “está lá”, para usar a conhecida explicação de George Mallory, tem sido explorado com frequência pela literatura de aventura. Começou com o clássico Annapurna de Maurice Herzog, passando pelos fantásticos relatos que misturam a filosofia de vida e façanhas inigualáveis de Reinhold Messner, chegando, por fim, às trágicas experiências narradas por John Krakauer em “No Ar Rarefeito”.
Em comum, todas essas obras têm como contexto a busca de homens e mulheres pela superação de adversidades, de ambientes inóspitos, e de seus próprios medos, mesmo nas condições mais difíceis. Olhar a morte nos olhos e viver para contar.
O relato constante de “Tocando o Vazio” não foge a essa regra. Porém, vai mais longe que qualquer obra precedente do gênero.
Em 1985, o britânico Joe Simpson e seu companheiro de escalada Simon Yates decidem escalar nos Andes Peruanos. Esbanjam confiança, entusiasmados como nunca com a expectativa de conquistar montanhas tão perigosas e ermas quanto belas.
A chegada ao topo do Monte Siula Grande, de 6.344m, é extenuante, temperada por momentos difíceis e desafiadores, que exigem doses extras de coragem e técnica apurada. Exatamente como ambos preveem e, de certa forma, desejam. Na descida, porém, algo impensável acontece: Simpson quebra a perna. Numa escalada de alta montanha isso pode soar como um atestado de óbito. A lei não escrita dos montanhistas é fria, inclemente, mas, diz-se, necessária: aquele que não tem condições de avançar deve ser deixado para trás, sob pena de comprometer a segurança e a vida dos demais integrantes da equipe.
Simpson sabe disso. Yates também. Mesmo assim, tentam descer juntos, com Yates arriscando-se a todo instante em meio à nevasca que castiga a montanha para ajudar o companheiro. O Siula Grande é escarpado e íngreme ao extremo. Descer sozinho já é uma proeza técnica para poucos. Carregar outra pessoa nessas condições beira o suicídio. Com a escuridão e a tempestade de neve cada vez pior, ambos percebem que só resta uma opção: Joe está condenado. Para ter chances de sobreviver, Simon deve partir.
Com o remorso consumindo cada molécula de seu ser, Yates corta a corda que os une e desparece montanha abaixo, sabendo que ele próprio terá uma tarefa extremamente árdua para chegar ao acampamento na base da montanha.
Simpson se vê sozinho com a morte à espreita. Não se entrega ao desespero, porém. Começa travar consigo mesmo uma guerra psicológica. Passa a rastejar e a escorregar pelas escarpas, lutando contra as dores lancinantes. O progresso é lento, mas ele se se agarra com todas as forças à esperança, permitindo-se pensar que, afinal, há uma chance. Até que cai em uma fenda. Com esforço sobre humano consegue se puxar para o exterior. A essa altura, faminto, fraco e atacado por hipotermia, pensa em desistir. De repente, vislumbra um caminho em meio à tempestade que, mesmo em suas condições terríveis, pode significar a salvação.
Enquanto isso, de volta ao acampamento, Yates é acossado por uma sensação de impotência, de arrependimento e tristeza. Por fim, resignado, convence a si mesmo que o companheiro está irremediavelmente morto, incapaz de se locomover numa montanha como aquela, e ainda mais naquelas condições climáticas. É hora de se preparar para partir.
Simpson avança vagarosamente, dominado todavia por um sentimento de urgência crescente, ciente de que em breve Simon levantará acampamento. Se não puder alcança-lo, terá sua morte definitivamente decretada.
Pela manhã, Yates está pronto para deixar a região. Em meio à chuva, julga ouvir um chamado, quase um lamento.
“Tocando o Vazio” é uma história de sobrevivência sem paralelos brilhantemente escrita e que leva o leitor – em meio a uma leitura compulsiva – a se perguntar o que faria em uma situação tão dramática como a vivida por Simpson e Yates. Abandonar o outro? Resignar-se e aceitar a morte? De onde tirar forças para vencer o maior medo de todos?
Um épico que trata de questões filosóficas e que ao mesmo tempo aborda o que há de mais valoroso no ser humano. Coragem, amizade e bravura.
Imperdível.
site: http://pontopacifico73.com/2013/07/11/tocando-o-vazio-resenha/