Henrique Fendrich 11/07/2020
Saldei um pouco da minha dívida com essa obra que, afinal, merece ser lida, nem que seja em partes, por quem quer que goste um pouco de literatura.
A seleção de Mansour Chalita tem o mérito de ser apenas um recorte de todos os enormes quatro volumes da obra, então você é apresentado ao que foi considerado “o melhor das Mil e Uma Noites”, escapando do que estaria em um nível inferior (o que é inevitável ao se tratar de mais de mil histórias).
Na apresentação da obra, chega-se praticamente a dispensar o leitor de ler os volumes completos, se tão somente ler essa seleção, mas receio que não seja exatamente assim. Principalmente em função das sete aventuras de Simbad, O Marinheiro.
A seleção de Chalita apresenta apenas duas dessas histórias, mas elas são tão incríveis que despertam o desejo de ler todas as outras, o que não é possível só com essa seleção.
Algumas das histórias que me agradaram mais nessa leitura são também bastante conhecidas, pois, além do Simbad, há ainda a história de Aladim e a de Ali Babá.
Essas fizeram valer a leitura, assim como outras bem menos conhecidas, entre as quais destaco a divertida “O corcunda, o alfaiate, o corretor cristão, o intendente e o médico judeu”, a curiosa “A douta escrava simpatia” (em que também se aprende mais sobre a cultura do Islã), a encantada “Judar, o pescador, e o saco encantado”, a não menos prodigiosa “Abdala Terra e Abdala Mar”, a instigante “Destino ou merecimento” e a engraçada “Um cádi astuto”.
Nem todas, no entanto, caíram no meu gosto. Há muitas histórias que se assemelham às novelas do “Decameron”, ou seja, são burlas amorosas em geral, só que de uma forma muito mais crua e mesmo grosseira.
Os homens continuamente “montam” em suas mulheres e então as “furam” repetidas vezes, sem falar nas intermináveis alusões ao “zib”, que nada mais é do que o órgão masculino, as quais chegam ao paroxismo da vulgaridade na história “Uma mulher virtuosa” (acho que isso está além do que o Boccaccio escreveu).
As mulheres são vistas da pior maneira possível, como em toda a literatura da época. É fato que não se pode julgar os textos de uma época pela mentalidade de hoje, mas é certo que isso também tira um bocado do prazer que uma história poderia nos proporcionar atualmente.
No mais, não deixa de ser bem interessante o culto à narrativa que essa obra encerra, brincando e explorando os desejos e as aspirações da humanidade daquela época e lugar.