Coruja 30/11/2011Quando li O Senhor da Foice pela primeira vez, coincidentemente tinha recém-terminado As Intermitências da Morte, do Saramago e de imediato fiz a referência cruzada entre os dois. Ambos tratam de situações em que a Morte, como uma entidade antropomórfica decide deixar – ou é impedida – de trabalhar.
A princípio, todos comemoram a novidade – afinal, viver para sempre é uma ânsia que quase todo mundo possui. Claro que não demora muito para que a humanidade se aperceba de que viver para sempre – especialmente quando você está doente, sofrendo, com dor, e a artrose não te deixa caminhar – não é exatamente essa coca-cola toda.
Pratchett leva essa premissa bem longe. Aqui, vamos conhecer os Auditores da Realidade, responsáveis por observar Discworld e se certificar de que tudo anda nos conformes. E, uma vez que Morte tem desenvolvido uma personalidade, os auditores chegam à conclusão de que ele não é mais capaz de cumprir seus deveres corretamente.
Destarte, Morte é ‘aposentado’ compulsoriamente e enviado para viver como todas as outras criaturas, assumindo o nome de Bill Porta e conseguindo emprego na fazenda da senhorita Flitworth – que nunca antes viu alguém trabalhar tão bem com uma foice.
A destituição de Morte causa a criação de várias entidades com as mesmas funções para outras espécies – e aqui vemos surgir Morte dos Ratos e Morte das Pulgas que se tornarão mais tarde companheiros contumazes do Morte que todos conhecemos e... hã... amamos.
Os humanos, porém, precisam de mais tempo ara formar sua própria idéia de morte e assim eles ficam com suas existências em “suspenso” – o que resultará em situações como a do Clube do Novo Começo, um grupo que luta pelos direitos dos mortos-vivos e que é liderado por um zumbi.
Coisas que só o Pratchett faz por você...
Para completar, há algo estranho acontecendo em Ankh-Morpork, relacionado a uma forma de vida parasita que devora cidades, nascendo de ovos que lembram globos de vidro, evoluindo para carrinhos de compra e crescendo para se tornar o terrível Shopping Center.
Então a nova Morte dos humanos finalmente fica pronta e o primeiro nome de sua lista é exatamente Bill Porta, seu antecessor. O que virá desse confronto é algo que vocês terão de ler por si mesmos – mas que fala muito sobre as noções de Pratchett sobre morte e humanidade, com humor, mas também com muita propriedade.
Esse é um dos principais motivos pelos quais Pratchett se tornou um dos meus autores favoritos de todos os tempos: ele é capaz de trabalhar em vários níveis de significado e interpretação, usando de um humor a princípio fácil, partindo para uma ironia mais sutil e terminando com algumas verdades que são como um tapa na cara da gente...
(resenha originalmente publicada em www.owlsroof.blogspot.com)