.Igor 26/03/2024
Essa pseudo-resenha foi escrita em meados de 2017 e fiquei planejando revisitar ela quando fosse reler "Vicious", mas como não tenho a mínima ideia de quando vou poder fazer isso, resolvi deixar logo por aqui. Agora antes de começar, tenho que destacar que ela é sobre a versão original de "Vicious", publicada em 2013 e na época não tinha previsão de lançamento no Brasil. Esse micro preâmbulo é pra justificar as citações que traduzi por aqui - não tenho a mínima ideia de como ficou o texto da edição brasileira -, então relevem qualquer erro (fiz algumas correções, mas pode não ter sido suficiente).
Victor Vale era um dos mais brilhantes e promissores alunos da Lockland University, em Merit. Essa universidade era extremamente elitista, apenas aceitando os melhores, o que tornava a presença constante de Victor entre os dois primeiros ligares do campus algo no mínimo notável. Mais notável ainda, entretanto, era o fato dele dividir os holofotes com apenas outro estudante, Eli Cardale. Victor e Eli começaram como dois dos mais brilhantes alunos que Merit já conhecera, com uma arrogância quase que equivalente à sua genialidade. Eles reconheceram um no outro a mesma sagacidade e ambição e tornaram-se amigos inseparáveis enquanto cursavam medicina juntos.
Fascinados pelos relatos e histórias sobre os ExtraOrdinários (EO), pessoas que supostamente desenvolviam habilidades que iam muito além da natureza humana, eles iniciaram, em seu último ano de faculdade, uma pesquisa envolvendo adrenalina, experiências de quase morte e eventos sobrenaturais sem explicação e chegaram à uma descoberta fantástica: que sob as condições corretas, uma pessoa poderia desenvolver habilidades incríveis. Ante essa possibilidade, eles decidem algo que mudará suas vidas para sempre: colocar a teoria em prática e criarem seus próprios EOs, e conseguem. Mas muita coisa teve que ser sacrificada em troca desse sucesso, e tudo deu terrivelmente errado.
Victor acabou preso e passou dez anos atrás das grades até escapar. Seu único objetivo agora é encontrar Eli e destruir seu melhor amigo, contando com a ajuda da silenciosa Sydney, cuja natureza reservada esconde uma habilidade sem igual. Enquanto isso, Eli está em uma cruzada para erradicar até a última dessas pessoas com habilidades, uma caçada implacável e impiedosa. Ambos estão em rota de colisão, mas quem irá sobreviver a esse encontro?
Vejam bem, "Vicious" é quase como um filme do Shyamalan: a melhor forma possível de lê-lo é não sabendo absolutamente nada do enredo; cada capítulo é construído e amarrado de tal forma que a história é uma verdadeira montanha russa de emoções. Mas tentarei falar um pouquinho mais sobre ele.
Dizer que Victor Vale era um brilhante estudante de medicina não era exagero: ele parecia ter um dom sobrenatural para entender como o corpo humano funciona, como cada sensação, cada ação tem um ou mais gatilhos específicos. Dizer que seus pais eram ausentes é um eufemismo, sua infância foi solitária, e ele se tornou um adulto cínico, manipulador e ambicioso, mas ainda conseguiu manter um caráter bastante íntegro, o que nunca deixou de surpreendê-lo em várias ocasiões.
"Victor se perguntava sobre muitas coisas. Ele pensava em si mesmo (se ele tinha problemas ou era especial, ou melhor ou pior) e pensava nas outras pessoas (se eles eram realmente tão estúpidos quanto pareciam). Ele pensava em Angie - o que aconteceria se ele contasse à ela como ele se sentia, como seriam as coisas caso ela o escolhesse. Ele pensava na vida, nas pessoas, em ciência, em magia, em Deus, em se ele sequer acreditava em qualquer uma dessas coisas."
Ele atraía as pessoas, mesmo contra sua vontade. Com o tempo, ele aprendeu a usar esse carisma, ainda que não chegasse nem aos pés de Eli. Victor era naturalmente quieto, mas ainda mais quando ele estava sob pressão, o que dava aos seus colegas a distinta impressão que ele sabia o que estava fazendo, mesmo que ele não tivesse a mínima ideia.
No final do seu primeiro ano de faculdade, ele conheceu um aluno que havia se transferido para seu dormitório, Eli Cardale. Ele era como uma daquelas imagens cheias de pequenos erros, do tipo que você só perceberia observado a imagem sob cada ângulo possível e, ainda assim, alguns ainda não seriam percebidos. Na superfície, Eli parecia perfeitamente normal, mas de vez em quando Victor podia perceber uma falha, um olhar desviado, um momento em que o rosto de seu colega de quarto e suas palavras, seu olhar e seu significado, se desencontrava. Esses momentos passageiros fascinavam Victor. Era como observar duas pessoas, um se escondendo sob a pele da outra. E a pele delas estava sempre muito seca, quase no ponto de rachar e mostrar a cor da coisa que está abaixo.
Havia algo nos dois, um tipo de "deslocamento" em relação à todos ao redor, que fez com que ambos se tornassem amigos inseparáveis. Quando eles resolvem seguir adiante com sua tese sobre EOs, o resultado não só destruiu essa amizade, mas criou algo terrível e violento no lugar deles dois. Dez anos depois, a única coisa que Eli quer é o extermínio de EOs. Ele passou a ver a si mesmo como um herói, um cruzado abençoado e guiado por Deus para livrar o mundo desses seres anti naturais e proteger os inocentes que estão em perigo graças a esse desequilíbrio. Victor, por outro lado, não dá a mínima para isso. Ele sobreviveu os últimos dez anos se alimentando do desejo de fazer Eli pagar por sua traição, usando sua mente afiada por anos de um ressentimento mortal e quaisquer meios que encontre no caminho, e uma jovem garota que também foi traída e caçada, e que possui uma habilidade com ramificações gigantescas.
É fácil, às vezes até demais, encontrar histórias sobre heróis, sejam eles "super" ou não; até mesmo anti-heróis estão aparecendo com mais facilidade hoje em dia, mas não existiria nenhum herói caso não houvessem vilões, e eles são quase sempre postos em segundo plano. Derrotá-los não passa de mais um degrau para determinado herói. Há exceções a essa regra, e exceções magníficas, devo acrescentar, e “Vicious” encontrou um lugar fantástico entre essas obras.
Os personagens que a Schwab criou são humanos, falhos, gananciosos; em um mundo ideal cuja moral é negra ou branca, eles são cinzentos (um cinza bem escuro, quase preto, na verdade), o que dá um realismo palpável a uma narrativa que, superficialmente, lembra bastante os embates entre Charles Xavier e Magneto nas histórias dos X-Men. Mais que isso, nossos protagonistas se encaixam perfeitamente no conceito técnico de "psicopatas" e são construídos de uma forma que não deixa o leitor ter qualquer ilusão sobre suas motivações ou sobre o caráter deles. Talvez eles não sejam ruins, mas também não são santos. E é possível entender, de alguma forma, o porque deles serem e agirem de tal forma.
"O jornal chamou Eli de herói. A palavra fez Victor rir. Não apenas porque era absurda mas porque criava uma questão. Se Eli era realmente um herói, e Victor pretendia parar ele, isso o tornaria um vilão? Ele tomou um longo gole da sua bebida, encostou sua cabeça novamente no sofá, e decidiu que ele poderia viver com isso."
Os personagens da Schwab foram vítimas das suas ambições e das circunstâncias, que, ao invés de sentirem repulsa, abraçaram todas as coisas horríveis que tinham que fazer. E ela faz com que torçamos para eles consigam o que querem! O carisma que esse pessoal esbanja no livro é praticamente palpável: é impossível não vibrar quando algum passo do plano de Victor dá certo, ou ter calafrios quando Eli encontra um de seus alvos.
E eu nem falei nada das habilidades dos dois, não é? Bem, direi logo que foi proposital. É parte integral da história, e uma das coisas que me fez praticamente devorar esse livro e ficar imaginando o que cada um poderia fazer até que finalmente descobri o que era, e meu povo, é simplesmente genial! E estou, desde que terminei o livro, pensando nas possibilidades desse universo que a Schwab criou (dica: são muitas).
Sem vilões, não haveria a necessidade para heróis; eles são a herança do dualismo entre bem e o mal que sempre esteve presente em um ponto ou outro da história humana e esse livro é uma excelente forma de lembrar isso. Então, caso não tenham lido ainda, procurem "Vicious", não irão se arrepender!
"Mas essas palavras que as pessoas usam por aí - humanos, monstros, heróis, vilões - para Victor eram apenas questão de semântica. Uma pessoa poderia se autoproclamar um herói e sair andando por aí matando dezenas. Uma outra pessoa poderia muito bem ser rotulada uma vilã por tentar parar ela. Humanos demais eram monstruosos, e muitos monstros sabiam como fingir serem humanos."