Abduzindolivros 16/06/2024
Bilbo eu quero entrar na sua toca ?
Numa toca no chão vivia um hobbit. Num belo dia, Bilbo Bolseiro é convocado pelo mago Gandalf para uma aventura: ser o ladino de um grupo de anãos determinados a recuperar seu tesouro das garras do terrível dragão Smaug.
A história começa com o encontro entre os dois, e já proporciona momentos hilários, principalmente quando a comitiva de anãos vai chegando, aos poucos, na toca do hobbit. Eu ri várias vezes com o Bilbo sendo todo atrapalhado durante a aventura. O tom é esse: acontecimentos angustiantes, mas muito suavizados por toda a graça de ver o Bilbo naquelas situações mortais, contando somente com a sorte e com a astúcia que nem ele sabia que possuía, e o tempo todo sentindo falta da sua poltrona, suas refeições, seus lenços e seu cachimbo.
As aventuras narradas seguem um padrão: momentos de aperto levados ao extremo do desconforto intercalados com o alívio de encontrar mãos amigas para ajudar. O padrão da jornada do herói, narrado com uma linguagem simples, de um avô simpático contando causos para os netos, me cativou até o final.
Essa história que começou sem pretensão alguma de se tornar parte de algo maior, acabou trazendo um dos momentos mais cruciais para a obra de Tolkien: quando Bilbo encontra o Um Anel, sem ter a mínima ideia do quão poderoso e relevante é aquele artefato mágico. Ele descobre um dos efeitos de sua magia ? tornar seu portador invisível ¬?, muito útil para se livrar de Gollum depois de ?trapacear? no jogo de charadas entre ambos. O capítulo 5 é o favorito de muitos fãs, imagino que não só por sua importância; também por ser tão impressionante, bem narrado, gostoso de acompanhar as charadas e o crescimento da tensão entre os dois personagens.
O desfecho é agridoce. Pode ser considerado um tanto pesado para uma história infantil, mas ficou verossímil. Não tem como conceber uma aventura como essa sem riscos de morte, e infelizmente, o fim chegou para muitos personagens. Mas, como a escrita é leve e tem muitas piadinhas, momentos de alívio cômico pelo meio, o terror é atenuado.
Tive em mente algo que o @nerdvino comentou comigo assim que comecei a leitura: Bilbo representa um adulto de meia-idade que já está com a vida estabelecida e não quer tentar algo novo. Mas, uma vez desafiado e exposto a situações extremamente desconfortáveis, tem que encontrar dentro de si a sagacidade para sair dos apertos, contando com uma boa dose de sorte e bons companheiros de jornada. É isso que fez eu me identificar muito com Bilbo: querendo ou não, vivo minha própria jornada do herói, com a vida me jogando para lidar com coisas que não quero, mas que me colocam em contato com aspectos meus que nem imaginaria que existiam, se pudesse ficar somente sentada na minha cadeirinha de praia com meus livrinhos.
As convicções do acomodado hobbit também foram colocadas à prova. Do alto de seu conforto, ele poderia julgar as ambições dos anãos por seus tesouros como tolas, desperdício de vida; contudo, ao se ver diante de uma montanha de ouro, ele pode compreender as ânsias dos seus companheiros de viagem. Assim é conosco; se não nos expormos a outras realidades, acharemos muito fácil somente criticar outros modos de vida. A empatia não cai do céu, é um exercício, e exige coragem e disposição. Além disso, essa história também fala sobre o valor da lealdade, e como não há ambição que compense deixar os amigos de lado, uma vez que somos interdependentes e não é possível conquistar nossos objetivos sem nenhum tipo de ajuda.
Bilbo viveu uma aventura que o fez crescer e o tornou eternamente benquisto entre elfos e anãos, porém pagou o preço de ser malvisto entre muitos de seu povo, infelizmente. Sermos autênticos pode ter esse preço, mas não se pode ter tudo. Uma vida bem vivida valerá a pena pelos aprendizados e amizades feitas no caminho.
Com exceção de Bilbo, a personalidade dos outros personagens não é muito desenvolvida, apenas o suficiente para fazer plano de fundo para a evolução do hobbit. Isso para mim não foi um problema; como o foco é na jornada, não me fez falta esse aprofundamento. Diferente do tédio que senti nas minhas tentativas de ler O Senhor dos Anéis, essa história me prendeu do início ao fim, me encantou, me fez rir e refletir.
E vamos combinar que a beleza dessa edição ajuda, né? Um livro lindíssimo, com a capa clássica desenhada pelo próprio autor, contendo os mapas para chegar até a Montanha e outras ilustrações belíssimas sobre momentos icônicos: inclusive, a minha cena favorita, quando escapam dos domínios dos elfos de Trevamata dentro dos barris, adoro :D
Enfim, recomendo fortemente, é uma leitura leve, deliciosa, encantadora, que certamente irei reler