Ivan 23/06/2022
Uma família destruída
"Precisamos falar sobre o Kevin" é um livro da autora Lionel Shriver, publicado no Brasil em 2007. A autora é americana, nasceu em maio de 1957 com o nome de Margaret Ann Shriver, mas mudou para Lionel por achar este nome mais sonoro.
Um curiosidade sobre o livro é que ele foi recusado por vários agentes literários e mais de 30 editoras. Mas hoje é um livro premiado, traduzido em diversos países e com uma versão para o cinema.
Kevin Katchadourian, três dias antes de completar 16 anos, assassina sete colegas, uma professora e um funcionário em sua escola. Era uma quinta-feira, 8 de abril de 1999.
Quase dois anos depois, Eva Katchadourian, mãe de Kevin, escreve várias cartas para seu marido Franklin. Similar a um diário, suas cartas tem um tom de desabafo, com objetivo de relembrar e analisar a trajetória da vida da família. Nas cartas, procura analisar os motivos da tragédia que criou um caos sua vida e na de sua família. Aterrorizada por suas lembranças, Eva faz um balanço de sua trajetória onde analisa casamento, carreira, família, maternidade e o papel do pai. Eva não poupa palavras duras e verdades cruéis, afinal ela não tem mais nada a perder.
Kevin Khatchadourian é um personagem complexo e misterioso. Um garoto realmente incomum. Uma pessoa fria, calculista, cínica e manipuladora, mas que possui uma inteligência fora do comum e grande autocontrole. Kevin intriga e surpreende a todos.
Eva também é uma personagem interessante e complexa, mas diferente do Kevin, ela é um pouco mais real. Como suas dúvidas e sentimentos são completamente expostos nas narrativas é mais fácil entende-la. Eva inicialmente não queria ter filhos, ao contrário do seu marido. Toda a história dela com o Kevin é uma busca por querer se sentir mãe e não conseguir, diferente do pai que finge que a família é perfeita. A personagem da Eva é explorada sob uma perspectiva pouco comum, como a incerteza dos sentimentos que ela nutre pelo filho. E Kevin parecia sentir o mesmo em relação a ela.
A história deixa dúvidas quanto à influência da criação. Kevin tem um pai pouco presente e uma mãe que não lhe garante carinho materno. Será que seu lado sociopata desabrochou durante a sua infância, pela forma como foi criado, ou será que ele já nasceu assim ? A obra entrega várias interpretações e junto, a liberdade para criar teorias acerca do relacionamento entre menino e seus pais. Não há resposta fácil para essa pergunta.
Inicialmente parece ser apenas um livro sobre um adolescente que cometeu um massacre na escola, mas é muito mais sobre uma família que foi destruída. Na prática, apresenta uma visão abrangente das consequências dos atos de Kevin, dos sentimentos de Eva sobre a situação e de toda a história da família, desde o começo até tragédia
A autora Lionel Shriver esmiúça a convivência de Eva e Kevin, mostrando a pouca vocação materna da primeira e o comportamento sempre errático e imprevisível do segundo. O livro mostra a mãe tentando equilibrar as relações familiares com seus compromissos profissionais, com a limitada participação do pai na educação dos filhos.
Embora toda a culpa pareça estar sendo jogada sobre a mãe, o pai de Kevin parece ter uma responsabilidade maior. Na minha visão, Franklin foi uma decepção, apresentando sempre comportamentos que traziam prejuízos emocionais tanto para Eva quanto para Kevin.
O livro é denso, muito bem escrito, porém de uma leitura lenta e carregada de uma grande carga emocional . Achei bem cansativo nos primeiros capítulos. Leva um tempo para entrar na história. Só depois da metade que começa a fluir melhor. Apesar disso, essa primeira parte é muito importante para a construção da trama e o entendimento do massacre.
Uma literatura pesada que trata de temas delicados, recomendada para quem aguenta fortes emoções. Estimula discussões sobre culpa e empatia, retribuição e perdão nas relações familiares, e nos leva a debater uma questão tenebrosa: é possível não gostar dos nossos filhos?