melissa 16/02/2015Um clássicohttp://livrosdefantasia.com.br/2014/09/01/frankenstein-de-mary-wollstonecraft-shelley/
Como todo mudo, passei a infância assistindo desenhos que faziam menção a Frankenstein. O doutor num laboratório sinistro animando uma espécie de monstro inerte não era novidade para mim. Li o livro pela primeira vez na adolescência, acho que tinha uns 14 ou 15 anos. Era uma edição traduzida para o português que meus pais tinham. Eu peguei o livro sem querer e resolvi ler. A princípio, estranhei. Afinal, não tinha muito a ver com a ideia que eu tinha na cabeça sobre a história (terror e horror). Foi aí que descobri que Frankenstein era o sobrenome do cientista, Victor, e não de sua criatura.
A leitura não fluía como os livros que costumava ler – a narrativa era mais lenta, um pouco truncada – mas minha curiosidade falava mais alto: eu queria saber qual seria o destino de Frankenstein e sua criatura (às vezes chamada de monstro). No entanto, logo me acostumei. Algumas pessoas reclamam que livros do século 19 são difíceis, que o vocabulário é impossível, mas eu sempre digo duas coisas sobre isso: 1) a gente se acostuma e 2) não tem como ampliar seu vocabulário se você não lê livros que pedem que você amplie seu vocabulário. Tenho uma memória muito vívida dessa primeira leitura: estava esperando meus pais saírem de uma reunião e eu lia o livro, econstada numa parede fria, estava exatamente na parte em que Victor conta como foi se apaixonar por Elizabeth.
Rascunho de Frankenstein.
Foi uma obra que me marcou muito na época. Lembro de ter terminado o livro e ficar uns dias pensando sobre as consequências das coisas que fazemos. Frankenstein criou um monstro para satisfazer a própria vaidade e nunca se preocupou que aquela criatura pudesse ter uma vida sua, sonhos e anseios. Sempre achei que as cenas mostrando a vida do monstro uma das coisas mais tristes da literatura em língua inglesa. O modo como ele olhava a vida por uma fresta, sabendo que nunca seria aceito… e quando finalmente tem sua chance, ele é perseguido. O monstro é o eu marginalizado às últimas consequências.
A segunda e a terceira vez (sim, teve uma terceira) foi na faculdade. Li em inglês, como parte do currículo das matérias de literatura que fiz (eu me formei em Letras/Inglês). Essas duas leituras me fizeram ler o livro além do óbvio. Como por exemplo prestar mais atenção na estrutura narrativa. Afinal, o livro começa com a narrativa do Capitão Waldon, que é feita em formas de cartas que ele escreve para sua irmã sobre sua viagem no Ártico, vai para a narrativa em primeira pessoa do Victor Frankenstein e termina de novo com as cartas do Capitão. Outra questão foi também dar mais atenção ao subtítulo do livro: O Prometeu Moderno. Assim como o Prometeu da mitologia, que roubou o fogo dos deuses e foi condenado, também Frankenstein teria que viver com as consequências de suas ações.
Frankenstein foi publicado em 1818 em Londres de forma anônima. Apenas cinco anos depois, numa publicação na França, o nome de Mary Wollstonecraft Shelley apareceria. A obra é considerada um das primeiras publicações de ficção científica por muitos teóricos. Além disso, o livro tem vários elementos do gótico: laboratórios escuros, lugares ermos, escuro, etc.
Retrato de Mary Shelley por Richard Rothwell (1840).
Mary Wollstonecraft Godwin Shelley era filha do filósofo William Godwin e da feminista Mary Wollstonecraft. Ela teve uma educação informal, mas bastante sólida, encorajada por seu pai. Durante alguns anos, foi amante do poeta Percy Shelley, com quem se casou mais tarde. Segundo algumas declarações da autora, a ideia para Frankenstein surgiu durante uma viagem à Suíça, quando Mary Shelley, seu marido e outros convidados (incluindo aí o também poeta Lord Byron) resolveram fazer uma espécie de concurso para saber quem seria capaz de escrever a história de horror mais assustadora. Mary diz ter pensado muito sobre o assunto, mas que a ideia lhe veio num sonho: um homem dando vida a uma criatura horrenda. A partir daí, escreveu sua história. Ela foi a única a fazê-lo.
Existem várias controvérsias em relação à publicação de Frankenstein. Muitos dizem que seu marido, Percy Shelley, modificou o texto e fez um imenso lobby mais tarde para que fosse publicado. Controvérsias à parte, Percy Shelley morreu em 1822 e Mary fez sucesso como escritora profissional durante as décadas seguintes. Ela escreveu outros romances, dentro os mais famosos, o pós-apocalíptico O Último Homem (The Last Man, 1926). Mary Shelley é tida como pertencente a um pensamento político radical e seus biógrafos endossam a ideia de que ela defendia que a sociedade civil poderia ser mudada através de simpatia e cooperação entre as pessoas (uma visão totalmente oposta ao individualismo de seu marido e de seu pai).
Mary Wollstonecraft Shelley morreu em 1851, aos 53 anos de idade, provavelmente vítima de um tumor cerebral. Não é preciso falar de seu legado. Frankenstein é considerado um marco da literatura de língua inglesa e é lido nos círculos acadêmicos e populares. Existem inúmeras adaptações fílmicas, teatrais e artísticas para essa história.
E aí, vai animar de ler? Frankenstein é uma obra de domínio público para quem quiser ler em inglês (você pode baixar de graça no Kindle aqui) e é fácil encontrar inúmeras traduções em português.
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