L. 16/08/2011
Outra génese?
Ficando, talvez, apenas atrás de Bram Stoker e o seu Conde Drácula, Mary Shelley, surpreendentemente aos 21 anos, criou um dos monstros de maior repercussão na história ocidental; seu personagem transcendeu tempo virando mito, semeando medo, e mexendo com a imaginação dos curiosos das ciências naturais ao incrementar teorias galvanistas que especulam que a corrente elétrica pode excitar o sistema nervoso dos seres vivos.
A agradável surpresa que vem com a estória do Frankenstein, é muito mais do que a desconstrução de tudo aquilo que é exposto desfigurada e incompletamente em: desenhos, filmes e citações. Um dos inesperados choques da obra se dá no conhecimento de que o nome Frankenstein, é na verdade sobrenome e não a denominação da criatura verde - que nos remete a idéia de zumbi gigante, irracional e aterrorizante.
Em uma escrita simples Mary Shelley nos leva a acompanhar relatos de uma destemida viagem em descoberta ao Pólo Norte na qual o maior descobrimento equivale ao encontro do moribundo Victor Frankenstein ilhado em um bloco de gelo.
Resgatado, o verdadeiro Frankenstein, se põe comedidamente a detalhar o processo que o deixou em tal miserável naufrágio. Retrocedemos à formação e crescimento da família Frankenstein, assim como do pequeno Victor e de sua paixão descomedida pelas ciências.
Somos enredados por uma trama superficialmente simples, onde estórias se desenrolam dentro de estórias sem notarmos que estamos mergulhando em várias memórias. E vemos, mais uma vez, os defeitos humanos moldando os pensamentos de seus personagens através de seus medos e falhas, dando realismo a trama; sem forçar a perfeição e sem excessos, dando liberdade ao leitor em questionar os atos de seus personagens.
Assistimos o nascer de uma nova espécie, e temos a chance de conhecê-la mais profundamente, vemos sua ascensão intelectual e sua luta pela vida; para os leitores mais vulneráveis, pode haver um apegamento por esse ser estranho que chega a aflorar uma empatia justificando uma enraivecedora sensação de injustiça e desleixo praticada por Victor.
Temos até mesmo a livre escolha de nos apegar ao que enoja o inconseqüente Victor. Victor não é o mocinho esperado, para alguns ele pode até ser o verdadeiro vilão, é só dar uma chance ao que é repudiado e você pode acabar tendo compaixão pela estranha criatura criada tão insanamente e chegar a justificativas plausíveis para coisas incabíveis.
Cabe a cada um ler e avaliar o que seu instinto lhe diz.
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O que acabou realmente por me fascinar são as questões filosóficas e os “se”s não acontecidos. Me pego ainda pensando, e se ele tivesse feito o que a criatura pediu seria este o surgimento de uma nova espécie mais forte que a sua criadora? Seria esta a forma como surgimos e acabamos por fim a matar nosso “Deus” por sermos mais fortes e criados inconseqüentemente, dotados de força acima dos nossos criadores? Viajo em especulações e me vejo amarrada romanticamente a saborosas teorias que trazem uma sensação de alucinação.
PS: A resenha acabou ficando aérea por medo de sair algum spoiler
Mary Shelley jovem e sagaz em seu Frankenstein parece se fundir em sua biografia a sua obra; não pude deixar de notar uma previsão do trágico futuro da autora, pareceu no fim se unir ao seu protagonista. Alguém mais notou isso?