spoiler visualizarludwig2 02/07/2023
"Todo dia eu me lembro de novo um pouco. Pra ir acostumando, sabe?"
Maria é uma menina de 10 anos que trabalha no circo como equilibrista na corda bamba. Ela é acompanhada por seus amigos, Barbuda e Foguinho, que passaram a cuidar dela depois que seus pais faleceram. O circo viaja bastante pelo país; ela gostaria de continuar no circo, porém é obrigada a ir morar com a sua avó, Dona Maria Cecília Mendonça de Melo, no Rio de Janeiro.
Desde o falecimento dos seus pais, três meses atrás, Maria anda muito silenciosa, quieta; e parece não lembrar de nada. Quando vai morar com a avó, não parece lembrar dela nem dos outros parentes. Maria fala muito pouco, é fechada e raramente brinca, o que preocupa Barbuda e Foguinho enormemente. Os dois deixam Maria na casa de sua avó e vão embora para o Sul com o circo por um tempo.
Maria encontra muitas dificuldades na sua nova vida. Não consegue bons resultados na escola e começa a fazer aulas particulares, mas não consegue se concentrar e entender nada das matérias. Sozinha, longe do circo, não encontra sentido na vida no apartamento da avó. A janela do seu quarto dá para um pátio interno e ela pode ver várias janelas de outros apartamentos; uma chama a atenção, por ser diferente das outras e ter um andaime do lado de fora. Maria fica muito curiosa, e elabora um plano. Pega uma corda, que o marido da avó lhe deu de presente, e consegue lançá-la até a janela diferente, prendendo-a. Assim, cria uma passagem da janela do seu quarto até a outra janela. A altura é grande: 9 andares. Mesmo assim, Maria não tem medo: antes do sol nascer, pega o seu arco de flores, que usava no circo, e caminha pela corda até a outra janela.
Dentro da outra janela, há um apartamento: um longo corredor, com portas de cores diferentes. Atrás de cada porta, há um quarto com uma cena do passado. Lá, Maria revisita sua vida, suas memórias. Cada porta dá para uma lembrança diferente: memórias dos seus pais, do circo, da avó. Maria passa a caminhar pela corda todo dia, fazendo o mesmo trajeto, e a cada dia abrindo uma porta diferente, relembrando algo diferente. No início, ela sente muito medo de abrir cada porta; algumas estão trancadas, outras apenas encostadas. Com o tempo, Maria vai perdendo o medo e nenhuma porta mais fica trancada — quando Maria está “pronta” para lembrar de certas cenas, por exemplo, a morte dos pais, atrás da porta vermelha.
Isso pode ser uma metáfora para um trabalho de análise, um trabalho terapêutico. Maria tem que voltar para o seu passado, lembrar do que viveu; ela está em luto por seus pais, e viveu muitas experiências nos seus 10 anos de vida. Para poder elaborar tudo isso, precisa ir todo dia nas portas, fazendo o caminho da corda bamba. Como ela mesma diz para Barbuda, ao telefone: “Eu me lembrei de tudo, viu? De tudo. E agora… todo dia eu me lembro de novo um pouco. Pra ir acostumando, sabe?” Assim, Maria vai se acostumando com as suas memórias, vai se acostumando com lembrar. E, com o tempo, vão surgindo novas portas: novos quartos, vazios. Maria passa a poder sonhar com um futuro, com novas cenas, cenas melhores e que ela pode escolher. Isso é muito bonito e é algo que acontece quando se realiza um trabalho de análise, um trabalho terapêutico.
No fim, Barbuda e Foguinho vão dar um tempo do circo e tirar férias na Bahia, e chamam Maria para ir junto. Maria topa, e já começa a sonhar com essa viagem, com mais uma porta, mais um quarto.